JÁ E AINDA NÃO – ESCATOLOGIA

JÁ E AINDA NÃO

Sabendo que muito é dito sobre escatologia (doutrina das últimas coisas), resolvemos retornar com o site para tratar alguns pontos desconexos do resto daquilo que publicamos aqui. Claro, não significa que não haja referência no próprio site, já que indicamos que leia, antes ou depois deste, outros textos como Da Igreja, Milênio, Escatologia, e Escatologia e o Declínio Depravação Humana.

Diferente dos outros textos, no atual falaremos sobre questões mais “filosóficas” que levaram a nossa escatologia ser tão distinta daquela pregada por Moisés, os Profetas, Cristo e os Apóstolos. Exemplificaremos o problema e, como consequência, mostraremos algumas interpretações de textos bíblicos importantes para este contexto.

Antes, porém, devo fazer uma pequena observação sobre “Credos e Confissões” que cabe aqui: não importa o seu credo e sua confissão, a sua fé jamais será absolutamente explícita. Sabemos que autores como Carl Trueman em seu “O Imperativo Confessional” relatam a impossibilidade de ser um crente sem ter uma confissão ou credo – algo que é verdade. O problema é que creem solucionar a questão com a resposta que dão. Vamos mostrar a conexão com a escatologia ao deixar isso mais claro.

Segundo estes autores, é impossível você dizer que crê na escritura de uma determinada forma sendo que todo herege também pode dizer isso. O que te diferencia do herege é, na verdade, ter uma confissão explícita. Ora, não é verdade que todos os homens com facilidade dizem que creem em Cristo? E mesmo assim não se crê exatamente a mesma coisa sobre ele: uns creem em um Cristo soberano, outro, meramente humano e outro ainda tem uma percepção mista, de um Cristo elevado a categoria de Deus sem, contudo, ter sido gerado como Deus. Portanto, um credo é um jeito saudável de se resolver essa crise, já que agora você está explicitando sua fé.

O problema aqui porém é claro: você escolherá o credo de acordo o que você já aceita a respeito do que diz o texto bíblico e de como você o interpreta. Não me leve a mal, mas quem crê na Confissão de Fé de Westminster sem restrições mentais jamais irá defender que Jesus não é Deus (embora, de fato, Cristo o seja). O que estes homens querem, na verdade, é apenas segurança e controle – e não digo isso necessariamente num sentido negativo, afinal, quem não quer?

O problema é que para ter essa segurança e controle o percurso é “maquiavélico”. Por exemplo, você não pode ser, digamos, preterista completo dentro da Confissão de Fé de Westminster, na qual o Papa é o Anticristo. E, se um dia surgir uma confissão completamente preterista, os erros dos preteristas correm o risco de serem “eternizados”, causando, novamente, o mesmo vício que as confissões causaram.

Quando o leitor entender o que dissermos abaixo notará claramente que não bate com nenhuma confissão (apesar de cruzar com o preterismo completo, embora não gostemos dessa identificação específica). Nem com o credo apostólico completamente, nem com o catecismo de Heidelberg completamente. Mas uma leitura do que está abaixo baterá completamente com a Escritura.

Você então dá um salto para trás dizendo: isso é orgulho! E eu te pergunto: a sua confissão possui erros? Você dirá: claro! Eu pergunto novamente: pode aponta-los para mim? Se você apontar os erros, concordará comigo que você consegue ler o texto bíblico diretamente sem a confissão, se não apontar os erros nela então por qual motivo me acusa de orgulhoso?

A situação é simples: se quiser segurança e controle, continue com a confissão e pare a leitura aqui mesmo. Pode ir embora. Viva no mundo onde é fácil entender as coisas e enquadrá-las com o raciocínio ou, ao menos, onde é possível enquadrar boa parte das coisas…

Agora nos voltaremos aos pontos principais que queremos destacar, reforçando, mais uma vez, que o nosso assunto é escatológico, e veremos os problemas da escatologia comum em boa parte das igrejas.

1 – QUESTÃO COSMOLÓGICA

O que chamamos de “questão cosmológica” nada mais é do que a ideia de que a bíblia fala do mundo em termos físicos ao dizer que os elementos se desfarão, ou que haveria um novo céu e nova terra. Claro, não estamos dizendo, junto com os liberais, que Gênesis 1 – 3 não seja de algum modo cosmológico, mas ele só é porque justamente a passagem trata realmente da criação do mundo, mas também com linguagem profética (algo que explicamos em nossos textos sobre escatologia).

O problema é que, como bons herdeiros da cultura romana e grega, não raciocinamos em termos de profecias, mas sim em termos de planeta, universo, “meu” mundo e “meu” lugar no universo. Não é sem motivo que entre os romanos haviam já ideias de que o mundo acabaria em desastres, antes de qualquer contato com o Cristianismo (havia quem dizia até que acabaria em superpopulação, acredita?!).

O problema cosmológico, no fim das contas, é aquele que faz a leitura do texto com lentes greco-romanas, de certo modo, pensando sempre em termos do planeta e universo físico, e não de linguagem profética. Isso é uma péssima leitura que cria contradições irreconciliáveis no texto bíblico. Já a linguagem profética pode se contradizer sem problemas, já que sua descrição não é fisicamente fiel e sim espiritualmente fiel (PS.: isso não tem a ver com lógica, ok? O objetivo do texto bíblico não é dizer se a lógica se aplica em algum nível ou não a Deus, mas meramente mostrar o que Deus quer que entendamos, na linguagem posta por Deus mesmo ali).

É claro, muita gente já notou esse problema da linguagem cosmológica e literal, e puxou a balança para lados opostos, levantando as questões literárias.

2 – QUESTÃO LITERÁRIA

A questão literária é sobre como lidamos com o texto reconhecendo sua linguagem própria. Por exemplo, não é possível que o inferno seja um lugar de escuridão e fogo ao mesmo tempo, pois onde há fogo há luz, portanto, é evidente que essa linguagem não descreve uma realidade física… ao menos não nos moldes que podemos raciocinar e perceber. Para isso então, vários autores tentam dividir o texto bíblico em linguagem literal e metafórica: o rei Davi adulterando com Bate-Seba é literal, mas o mesmo rei Davi dizendo que os fundamentos da terra se abalaram quando Saul morreu é metafórico (Sl 18).

Isso parece resolver o problema, e até mesmo é a solução que alguns preteristas completos apresentam para isso (como Don Preston), mas isso leva a um outro problema: ler o texto como literatura.

Talvez você não tenha percebido a questão ainda, por isso vamos exemplificar:

Porque Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós. 1 Coríntios 5:7

Sabemos que a festa da páscoa era muito específica, e é um evento interpretado na Escritura como se referindo a Cristo. Mas imagine um C.S. Lewis ou alguém apegado ao método literário lendo este texto: a páscoa poderia ser uma metáfora, não só de Cristo, mas de qualquer um que morresse em favor de alguém.

O problema com quem lê o texto literariamente é que ele pode ser qualquer coisa, e as referências do NT ou do próprio AT ao AT, são referências literárias para ajudar o público a entender a mensagem (o que, na realidade, seria muito estranho considerando que algumas dessas interpretações mais complicam a mensagem do que facilitam).

Veja bem, não estamos dizendo que ler literariamente seja um problema em si, você pode fazer isso com uma ficção. Porém, quando mestres como Orígenes e outros se converteram, trouxeram consigo o método de interpretação grega (que já era ‘novidade’) dos mitos e aplicaram às Escrituras e, por isso, para ele a história do “Bom Samaritano” não é sobre amar inimigos, e sim sobre pregação do Evangelho.

Tais distorções se estendem na medida em que lemos o texto com essa lente, fazendo alegorias onde elas não estão ou aplicando o método alegórico que não é feito pela própria escritura. Daí, embora soe orgulhoso – mas você não deve julgar pelo que parece – só nos sobra um método: o espiritual.

Ora, o literal resulta no cosmológico, o metafórico resulta numa perda do texto e do seu sentido por esticar todas as possibilidades de significado aparente. Então, nos voltaremos a outro método.

Eu sei que cada um dirá que seu método é “o espiritual”, mas não se preocupe com isso, se por um lado sou só mais um, você também é só mais um ao dizer que sua confissão é a certa ou que sua interpretação é a certa – meio que estamos no mesmo barco.

Sobre a interpretação espiritual em si exploraremos mais abaixo, porém, nos nossos textos sobre Escatologia já discorremos muito sobre ela e sobre seus limites. Aqui, porém, verificaremos especificamente sobre como isso se relaciona com o tempo na bíblia.

E isso é importante ser entendido porque o argumento que as coisas começaram a se cumprir, mas ainda não se cumpriram é uma metamorfose do método espiritual de interpretar o texto. Ele acerta em certos pontos, mas cede à literatura e à cosmologia, sendo o melhor exemplo para combatermos aqui por possuir elementos dos 3 métodos de interpretar o tempo nas escrituras ao mesmo tempo.

O “Já e Ainda Não” é o método reformado de encarar a escatologia, e basicamente diz que profecias começaram se cumprir no primeiro século, ou seja, já começaram a ocorrer, mas ainda não é o fim. Para fazerem essa manobra, os três métodos acabam aparecendo aí, misturados.

De qualquer forma, agora que apresentamos os problemas interpretativos, vamos encarar o texto bíblico para vermos se ele faz jus ao que estamos tentando mostrar para você.

3 – EXEMPLOS DO PROBLEMA

Note essas passagens:

Tu, porém, vai até ao fim; porque descansarás, e te levantarás na tua herança, no fim dos dias. Daniel 12:13

Agora vim, para fazer-te entender o que há de acontecer ao teu povo nos últimos dias; porque a visão é ainda para muitos dias. Daniel 10:14

Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho. Hebreus 1:1

E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, Que do meu Espírito derramarei sobre toda a carne. Atos 2:17

Porque a promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe, a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar. Atos 2:39

Todas elas, de fato, falam sobre os últimos dias. Porém, note a distância entre Daniel e Hebreus:

Para Daniel, o fim, é para muitos dias, “lá nos últimos dias”. Para Hebreus e Pedro em Atos, a promessa ou, no caso, os últimos dias, é presente. E nós podemos mostrar milhares de casos exemplares da distância dos últimos dias no AT em relação ao NT:

AT>

Dt 4:30 – falando que nos últimos dias Israel seria salva

Dt 31:29 – falando que nos últimos dias Israel seria destruída

Ez 38:16 – Nos últimos dias uma nação destruirá Israel

Is 2:2 e Mq 4:1 – Nos últimos dias Gentios se converteriam ao Senhor

Perceba que em todos os casos os últimos dias são algo distante. Em relação a Deuteronômio, faltam, ao menos, 1500 anos para alguém dizer que os últimos dias chegaram, em relação a Isaías e Miquéias faltam ao menos entre 600 e 800 anos, e de Ezequiel faltam em torno de 500 anos. Se incluirmos Daniel, faltam entre 550 e 630 anos para alguém começar a dizer que os últimos dias chegaram.

NT>

2 Pd 3:3-5 – falando que nos últimos dias pessoas duvidariam da vinda de Cristo (e Pedro reforça que essas pessoas eram presentes quando ele escreveu: v. 4, 5)

Hb 1:1 – dizendo que aqueles eram os últimos dias nos quais Deus falava pelo Filho, e não mais pelos métodos de sombra do AT.

Jd 18 – afirmando que nos últimos dias apareceriam insubordinados que andariam segundo o pecado neles, e dizendo que isso é presente.

Até aqui é compreensível, mas mais interessante é se incluirmos mais dois textos, um do AT e outro do NT:

E tu, Daniel, encerra estas palavras e sela este livro, até ao fim do tempo. Daniel 12:4

E disse-me: Não seles as palavras da profecia deste livro {ou seja, todo o livro}; porque próximo está o tempo. Apocalipse 22:10

Nota-se, claramente, que houve uma passagem de tempo que saiu “daqueles últimos dias” para “estes últimos dias”, contudo, veja que mais interessante é que, entre Daniel, digamos, uns 600 anos antes de João, a profecia saiu de “feche este livro” e “até o fim do tempo”, para “não feche este livro” e “próximo está o tempo [de se cumprir todo ele]”.

Só com muito esforço mental uma pessoa chega à conclusão de que Daniel escreveu para muito tempo depois perfazendo 600 anos e João, escrevendo para um tempo próximo, ainda não alcançou a conclusão das profecias escritas.

Daí, os mestres em literatura fazem o quê? Simples, dizem que “próximo” não significa próximo, mas distante significa distante. Literalmente decidem quando a descrição de tempo é aceita por eles e quando não é, pois estão alinhados a um conceito de cosmologia, e não de espiritualidade do texto.

Mais sugestivo ainda é que, segundo defendemos, Apocalipse foi escrito por volta do ano 62 a 64 d.C., e diz que está próximo o tempo, se referindo também aos últimos dias. Enquanto que 1 João, que cremos ter sido escrito por volta do ano 66 d.C. (portanto, no ano que começa o ataque à Israel por parte de Roma) diz:

Filhinhos, é já a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também agora muitos se têm feito anticristos. 1 João 2:18

A bíblia não é um livro que caiu pronto do céu, ela foi sendo escrita dentro de um período de tempo, por autores distintos, que reconheciam que havia um movimento histórico em direção a um fim, fim dos tempos, não do mundo. Fim dos Tempos do AT, não do planeta Terra. Por isso, João, agora escrevendo próximo aos eventos da destruição do templo de Jerusalém não fala mais em últimos dias, ou que vive nos últimos dias, mas sim que vive na última hora.

Como em sã consciência um indivíduo ignora a linguagem espiritual do texto? Espiritualmente, entre Hebreus e João dias se passaram, e João estava na última hora. Ou seja, supondo que Hebreus tenha sido escrito por volta de 60 d.C., este período de 6 anos eram “dias” para Deus, mas o período em que faltavam meses para o ataque de Roma à Israel é uma hora para Deus – ou melhor, em como Deus quis que a leitura fosse feita do que ele queria nos dizer.

É impossível assimilar isso com uma ideia de Já e Ainda não. Como que é possível que o fim dos tempos começou ali, com um período de mais ou menos 40 anos (se contarmos a pregação de Pedro em Atos 2) que de dias passou a ser última hora, e esta última hora ainda esteja presente hoje? O que Deus diz na Escritura não faz sentido?

Pior – para os reformados e anticarismáticos – se ainda estamos nos últimos dias, onde estão os dons prometidos como profecias e idiomas? Até onde saibamos, nenhuma profecia sobre estes dons presume o fim deles antes dos últimos dias acabarem, portanto, precisam estar em pleno funcionamento hoje. E Sim, eu sei que usam 1 Co 13 entre outros para dizerem que os dons estavam ligados àquela época, e é justamente por isso que aquela época precisa ser os “últimos dias”. Mas vamos adiante.

Agora note essas referências em Apocalipse a respeito do tempo novamente:

para mostrar aos seus servos as coisas que brevemente devem acontecer Apocalipse 1:1

porque o tempo está próximo. Apocalipse 1:3

Lembra-te, pois, de onde caíste, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras; quando não, brevemente a ti virei. Apocalipse 2:5.

[Nota: Ap 2:5 não distingue essa vinda dos outros relatos, pelo contrário, diz que a vinda de Cristo ali se daria na vida da igreja de Éfeso]

Arrepende-te, pois, quando não em breve virei a ti. Apocalipse 2:16

[Nota: mesma circunstância da igreja efesiana]

Eis que venho sem demora; Apocalipse 3:11

E jurou por aquele que vive para todo o sempre, o qual criou o céu e o que nele há, e a terra e o que nela há, e o mar e o que nele há, que não haveria mais demora. Apocalipse 10:6

e tem grande ira, sabendo que já tem pouco tempo. Apocalipse 12:12

[Nota: o diabo, tendo sido lançado a terra, tem pouco tempo, portanto, se ele foi lançado na terra no primeiro século, quão pouco é o tempo que ele tinha?]

E disse-me: Estas palavras são fiéis e verdadeiras; e o Senhor, o Deus dos santos profetas, enviou o seu anjo, para mostrar aos seus servos as coisas que em breve hão de acontecer. Apocalipse 22:6

Eis que venho sem demora. Apocalipse 22:7

Não seles as palavras da profecia deste livro, porque o tempo está próximo. Apocalipse 22:10

E eis que venho sem demora. Apocalipse 22:12

Certamente, venho sem demora. Apocalipse 22:20

Note como Apocalipse desenvolve a pressa com que Cristo vem: às igrejas nos capítulos 2 e 3 é dito: “sem demora” (ταχύ) e do mesmo modo Cristo diz de forma geral no final do livro “sem demora” – Ap 22:20 (ταχύ). No primeiro caso, é durante a vida de duas igrejas que Cristo viria sem demora. Por que razão no final do livro “sem demora” significaria outra coisa, ou algo distinto do que significa no início? Além disso, não existe a possibilidade de dizer ou se traduzir: “começo a vir logo”, visto que todo o livro é interpretado como uma vinda de Cristo, além de, claro, em grego não ser possível ver qualquer conjugação ou forma verbal que prove que a tradução inclua um “começo a vir” ao invés de “venho sem demora”.

Os homens, claro, darão um milhão de voltas, apenas pra dizer ou que Cristo quer que os crentes fiquem atentos, ou que o tempo de Deus é diferente do nosso. Bom, afinal, esses argumentos fazem sentido? Vejamos.

Obs.: Jeremias 29:10 diz que em 70 anos o cativeiro babilônico acabaria (cf. Dn 9:2). Isso é importante porque o profeta oposto a Jeremias dizia que em 2 anos o cativeiro acabaria (Jr 27:16; 28:1-3). Acontece que o cativeiro durou 70 anos e o falso profeta Hananias morre punido por Deus (Jr 28:15-17). O que era a mentira do falso profeta? Ambos diziam a mesma coisa: que Israel voltaria do cativeiro babilônico. Contudo, um dava 70 anos e outro 2. A questão é que o falso profetismo não era julgado somente na falsa doutrina, mas também na falsa esperança (Dt 18:20). Então vem a pergunta: se Cristo diz que tudo se cumpriria naquela geração (Mt 24:34) e o mesmo Senhor diz em Apocalipse que viria em breve, o que ele é e o que João era se estas coisas ainda não se cumpriram? São profetas verdadeiros ou falsos?

Argumentos Contrários

Evidentemente para cada resposta que dermos se levantará 10 outros questionamentos, portanto, se nossas respostas não lhe satisfazem, vá fazer alguma outra coisa, pois não estamos escrevendo para responder cada possível ideia.

1 – Vejamos o segundo argumento primeiro: Deus vê o tempo diferente da gente. Como prova disso cita-se, com frequência, 2 Pedro 3:8, 9:

Mas, amados, não ignoreis uma coisa, que um dia para o Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia. O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é longânimo para conosco, não querendo que alguns se percam. 2 Pedro 3:8,9

Vamos lá: primeiro, em Apocalipse nos é dito o quê? Que “venho sem demora”. Se no início do livro isso significa vir naquela época, para aquelas igrejas, por qual razão Deus estaria retardando a promessa no fim do livro? Pior, o próprio texto de 2 Pedro prova justamente o oposto: Deus não retarda a promessa, portanto, se ele diz que virá “em breve” é “em breve” e não “em breve daqui 2 mil anos”.

Mas veja, neste momento muitos calvinistas animados usam magistralmente este texto para provar que nele Pedro não está se referindo a todo mundo que existe na terra, ou seja, quando Pedro diz “não querendo que alguns se percam, mas que todos venham a arrepender-se”, ele se refere ao “conosco” que já são os crentes. Certo? Contudo, o “conosco” não limita somente o alcance de “todos” como também o tempo: Deus queria que aqueles crentes a quem Pedro repreende em sua carta se arrependessem antes de cumprir sua promessa, por isso, algum tempo ainda estava sendo dado para que tudo se cumprisse.

Mas veja, Deus Pai sabia já o “dia e a hora” (Mt 24:36), portanto, ele não vê o tempo diferente da gente. Antes, ele realmente sabe mensurar como mensuramos, com a diferença de que sua promessa pode parecer demorada em um sentido: o sentido de punir os ímpios. Como já tratamos do Milênio em outro texto, não aprofundaremos mais a explicação de 2 Pedro 3:8, 9.

2 – Vejamos o primeiro argumento: Deus começou a cumprir as coisas. Este é o habitual pensamento “já e ainda não”. Porém eu pergunto: em qual texto de Apocalipse há qualquer possibilidade de ser visto um “começar”?

Vamos voltar ao exemplo de Daniel. Vimos em Daniel que ele tinha que selar o livro inteiro, guardar a profecia, pois era para dias distantes. Com João, porém, vemos que ele não podia guardar o livro nem o selar, porque o tempo era próximo (Ap 22:10). Mas veja, próximo para o livro começar a se cumprir ou para o livro se cumprir?

Não seles as palavras da profecia deste livro, porque o tempo está próximo. Apocalipse 22:10

Se você sabe ler, notará que Cristo diz que o tempo do cumprimento do livro, e não de parte dele, está próximo. Ora, quem pode imaginar algo diferente senão quem lê a bíblia literariamente? Ou, antes, quem vê as escrituras de modo cosmológico?

O que é engraçado é a expectativa literal de um Novo Céu e Terra onde há rios que correm pela eternidade e nunca formam um mar (Ap 22:1, 2; Ap 21:1). A razão é simples: não existe um Novo Céu e Nova Terra no qual fisicamente pisamos, pois as descrições são “contraditórias”, já que o objetivo é demonstrar o significado profético, não só da não existência do mar e da existência de rios, mas de como o próprio Novo Céu e Nova Terra são termos proféticos.

Imagine o problema que as igrejas causam, visto que têm matado pessoas com falsas esperanças, visto ser isso que Provérbios declara:

A esperança adiada desfalece o coração, mas o desejo atendido é árvore de vida. Provérbios 13:12

Não sem razão a Árvore da Vida aparece em Apocalipse 22:2: ela é a concretização espiritual da esperança do AT. Contudo, enquanto os homens adiam o “Novo Céu e Nova Terra”, tornam as pessoas fracas e as faz desfalecer. Não ignoramos essas coisas. Portanto, para concluir, poremos abaixo uma pequena descrição do assunto sobre Novo Céu e Nova Terra e seu significado.

Obs.: este texto abaixo se encontra também no final do nosso livro sobre Casamento nas Escrituras.

NOVO CÉU E NOVA TERRA

Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til jamais passará da lei, sem que tudo seja cumprido. Mateus 5:18

Eu preciso explicar o argumento antes de utilizá-lo: já dissemos que praticamos os mandamentos da Lei, e não mais a Lei como tal (em nosso texto sobre a Lei de Deus). Os mandamentos não são somente os dez (ou 9, na verdade), e sim todas as ordens atreladas à pena de morte e que não estejam entrelaçadas ao culto do AT. Isso é importante porque a Lei passou e todos os ‘iotas’ e ‘tils’ passaram, pois eram as coisas que exigiam cumprimento.

O nosso foco é demonstrar que a escatologia do AT e do NT era sobre o Fim da Lei, autoridades e povo hebreu, e não sobre o fim do mundo. E isso nos leva ao texto focal do assunto: Mateus 5:18.

Note que, para que não pratiquemos mais a lei, isto é, seus rituais, céu e terra precisam passar. Porém, não praticamos os rituais da lei, e céu e terra estão acima e abaixo de nós como sempre estiveram. Daí, a pergunta surge: por qual motivo nos desfizemos das festas, luas novas, sábados e todas estas coisas se o mundo atual ainda existe? A razão é simples: Jesus não fala sobre céu e terra visível, mas invisível – e abaixo demonstrarei isso para você:

Na minha angústia, invoquei o Senhor, gritei por socorro ao meu Deus. Ele do seu templo ouviu a minha voz, e o meu clamor lhe penetrou os ouvidos. Então, a terra se abalou e tremeu, vacilaram também os fundamentos dos montes e se estremeceram, porque ele se indignou. Salmos 18:6,7

Trovejou, então, o Senhor, nos céus; o Altíssimo levantou a voz, e houve granizo e brasas de fogo. Despediu as suas setas e espalhou os meus inimigos, multiplicou os seus raios e os desbaratou. Salmos 18:13,14

Atualmente – infelizmente – temos uma visão cosmológica e histórica da Bíblia, quando precisamos entender a linguagem profética e das visões. Ora, Davi escreveu o Salmo 18 no período da morte de Saul, e diz que a terra se abalou e tremeu, e os fundamentos dos montes se estremeceram. No registro da morte de Saul não só não encontramos tais eventos (inclusive, não vemos nada sobre trovões nos céus), como ele é extremamente simplório do ponto de vista humano para justificar uma linguagem tão forte como essa de Davi (1 Sm 31).

Ora, estaria Davi utilizando metáforas? Não faz sentido, pois metáforas são coisas que encontram alguma analogia mais direta na realidade. O que Davi utiliza é uma linguagem espiritual, dizendo que a morte de Saul e do povo com ele é fazer a terra tremer e os céus trovejar. Veja que aqui Davi não diz que a terra passou, pois é preciso muito mais do que a morte de Saul para a terra e céu passarem – a morte de uma autoridade e de um pouco do povo abala céus e terra, mas não os dissolve – e isso é entender a linguagem espiritual do texto. Agora perceba aqui um avanço na linguagem:

E todo o exército dos céus se dissolverá, e os céus se enrolarão como um livro; e todo o seu exército cairá, como cai a folha da vide e como cai o figo da figueira. Porque a minha espada se embriagou nos céus; eis que sobre Edom descerá, e sobre o povo do meu anátema para exercer juízo. Isaías 34:4,5

Edom foi destruído por Nabonido, por volta do ano 553 a.C., porém, não vimos o céu se dissolver, nem o exército estelar cair. Na realidade, as autoridades e povo idumeu é que morreram, mas não estamos cientes de nenhum evento miraculoso nos céus. Então a pergunta é: qual céu se dissolveu? (veja que, diferente de Davi, Isaías dá fim a um céu). A razão é simples, o fim de um povo com suas autoridades é o abalo de um mundo inteiro, mas não do planeta e universo. Como o servo de Eliseu e como Balaão, não vemos os eventos espirituais que, embora não visíveis, são reais, porém, ao serem traduzidos, parecem ser eventos cosmológicos, quando, na verdade, são mesmo espirituais.

Quando Jesus diz, portanto, que o céu e terra passariam, está mostrando que a Lei de Deus duraria até que determinados céus e terra passassem. E a qual povo com suas autoridades a lei estava vinculada? Ora, com Israel, que no ano 70 d.C. foi destruída, tendo seus céus e terra passado. Porém, há palavras que não se passaram quando os céus e terra passaram:

Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas essas coisas se cumpram. Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras jamais passarão. Mateus 24:34, 35

Ora, que coincidência mais coincidente! Justamente num texto “escatológico” Cristo diz que aquela geração que o ouvia não passaria sem que tudo se cumprisse (note que em grego Mateus 24:34, 35 tem muita proximidade com Mateus 5:18: tanto porque em ambos os casos há “cumprimentos” [γίνομαι] quanto há céus e terra “passando” [παρέρχομαι]; e em Mt 24:34 se diz que tudo ocorreria naquela geração ainda).

Qual a relevância de Jesus dizer que Céus e Terra passariam, mas as palavras dele não? É simples: pois a lei passaria após a destruição dos elementos e após tudo se dissolver em fogo (como Pedro diz), mas as palavras de Cristo permaneceriam após o fim destas coisas.

Por isso, Cristo deu fim ao pecado, não só por nos limpar do pecado que de fato quebravam os mandamentos, mas por tirar do mundo os pecados que se traduziam em quebras do culto do AT. Veja, o culto no AT era composto de tantas coisas que é difícil até dar um exemplo, mas temos um muito bom:

Comer um animal impuro não era pecado, pois não resultava em pena de morte, porém, ter comido um animal impuro e em seguida tocar em algo santo resultava em pena para o que assim procedesse. Como não há mais objetos sagrados, não há mais pecado contra Deus dessa forma. Em outras palavras, Deus reduziu drasticamente a quantidade de coisas nas quais é possível um homem pecar – permitindo que qualquer um se relacione com ele, e dando, assim, graça a todos nós, que temos tão somente os mandamentos da Lei, sem ter a lei em si.

Mas em que sentido a lei se cumpriu? A questão é simples: Cristo era o cordeiro sacrificial da Páscoa e foi morto na páscoa; o Espírito desceu no Pentecostes com a Igreja se iniciando aí; o templo foi destruído no mês do julgamento, em Tishrei; etc.

Obs.: em João 15:25 há uma exceção para o uso da palavra “lei”, ampliando-se seu significado para os salmos. Contudo, se você leu nosso primeiro texto sobre a Lei de Deus, estará ciente de que frequentemente se referiam aos profetas como lei por causa da explicação da Lei que davam, e não por serem lei.

Todos estes eventos são os cumprimentos das sombras do AT, para que não sobre nada mais do AT para praticarmos, nem termos nenhuma das estruturas da antiga Israel. A “pureza do culto” não existe mais como antes. Para uns, isso soa muito dispensacionalista e, para outros, extremamente aliancista. Para nós não importa, pois queremos a prática dos mandamentos de Deus e não da sua lei.

Deus garante que sua lei seria praticada neste Mundo Novo por todos os povos:

Vinde, subamos ao monte de Yahweh, à casa do Deus de Jacó, para que ele nos instrua a respeito dos seus caminhos e assim andemos nas suas veredas!” Com efeito, de Sião sairá a Torá, a Lei, e de Jerusalém virá a Palavra de Yahweh. Isaías 2:3.

Atendei-me povo meu, e escutai-me, nação minha; porquanto de mim procederá a Torá, a Lei. Minha justiça se tornará uma luz para todas as nações! Isaías 51:4

“Eis, no entanto, a Aliança que celebrarei com a comunidade de Israel passados aqueles dias”, afirma o SENHOR: “Registrarei o conteúdo da minha Torá, Lei, na mente deles e a escreverei no mais íntimo dos seus sentimentos: seus corações. Assim, serei de fato o Deus deles e eles serão o meu povo! Jeremias 31:33

Ora, Deus promete que na Nova Aliança a Torá seria praticada, porém, Jesus (e Paulo) diz que ela passou. Ou nós temos uma contradição ou, na realidade, estamos falando de um aspecto da Torá: suas sombras. Nenhum mandamento ou permissão é sombra de nada. Porém, os rituais, festas, sábados, templo, sacerdotes, governo, reis etc., tudo são sombras do que viria posteriormente.

O Casamento, o não Matarás e o não prestar falso testemunho não são sombras, ainda que Deus possa se valer disso para descrever suas ações com a Igreja do AT e do NT. O objetivo dessas leis é perene, portanto, precisamos ter ciência de que se a Torá passou, mas ela é a nossa prática, então o que temos é a Justiça de Deus em guardar o que Deus instituiu, e não conforme nossos costumes, sensibilidades e receios ou efeitos dialéticos – e Deus permitiu muito mais coisas do que estamos dispostos a aceitar, proibindo algumas que, para nossa mentalidade, não fazem sentido serem proibidas.

Obs.: é principalmente neste sentido que a lei não salva: em suas práticas de sombra. Porém, frequentemente a prática do mandamento é vida (Jo 12:50; Sl 119:50, 93; Dt 6:2) – veja a parábola do bom samaritano para notar que a prática da lei (a misericórdia com o fraco) também dá vida ali.

Dessa forma findamos nossa pequena explicação sobre tempos na escritura ou, ao menos, em relação à questão de brevidade da vinda de Cristo.

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