MISCELÂNEA DE ASSUNTOS

Com o interesse de fechar ou direcionar alguns temas, decidimos, mais uma vez, retornar com o site, ao menos para dar alguns princípios gerais em assuntos habitualmente ou negligenciados ou, simplesmente, compreendidos erroneamente. Contudo, não pretendemos fazer uma exposição detalhada de cada coisa, visto que levaria tantos textos que ultrapassaria a nossa possibilidade de tempo disponível. Assim sendo, em dois ou três textos trataremos dos seguintes temas: Riqueza na Bíblia, Efeitos do Pecado, O que é Pregar a Justiça, Orgulho e Violência, Ira humana, Idolatria, Escravidão e, por último, o Livro de Jó. Ainda pretendemos trazer um ponto também sobre a “Instituição da Família” e também sobre o namoro/sexo.

Veja que, salvo um ou dois assuntos, praticamente nada é habitual de ser tratado na mídia “protestante” ou “católica romana”, razão suficiente para darmos atenção, já que não tratamos dos assuntos por demanda, e sim porque as Escrituras o tratam.

RIQUEZA NA BÍBLIA

Dizem os teólogos que a coisa que a bíblia mais fala sobre é riqueza. Conquanto não nos importemos com isso, será que quando a escritura fala de riqueza ela quer dizer meramente o dinheiro ou posses? Bom, para responder essa pergunta de um jeito curto, precisamos compreender dois tipos de sombra na bíblia: a sombra que cessa e a sombra contínua.

A Sombra que Cessa é aquela que, tendo um significado novo ou, na realidade, tendo o significado verdadeiro sido exposto, ela para de ser utilizada. Temos o exemplo da circuncisão, que nada é (1 Co 7:19), embora também seja uma sombra, porém, sua prática deixou de existir religiosamente – por assim dizer. Ora, tendo a sombra cessado, o que podemos fazer dela? Nada. Em geral essa sombra é uma ordem específica de Deus destinada a cumprir o propósito de significar algo por tempo limitado: é assim o cordeiro pascal, os sacrifícios, o templo, a cobra no deserto entre outros. Todas essas sombras cessaram, e não precisam retornar de modo algum.

Porém, existe a Sombra Contínua, que na realidade é a sombra que não pode desaparecer, ou não foi feita com este fim. Como exemplo, o casamento de Adão e Eva é a sombra do casamento do Último Adão e a Igreja (por isso Eva só recebe nome pessoal depois da queda, para sinalizar o seu significado como um povo, que é a mulher de Cristo). Contudo, o casamento não deixa de existir quando a sombra é exposta – se assim fosse, nem aqui estaríamos. Assim também é a riqueza.

Essas duas coisas acima estão fundamentadas em uma outra que explicamos nos nossos textos de escatologia. De qualquer modo, e para resumir, tudo o que não é mandamento de Deus no AT é sombra ou profecia de algo que estaria por vir. Naturalmente, as bênçãos de Deus referentes à riqueza e a própria riqueza não podem significar que o crente será rico em termos materiais, já que ela é uma sombra pela própria natureza do fato de estar no AT frequentemente mencionada, mas jamais ser um mandamento.

Dito isso, ao quê a riqueza pode apontar no NT? Para responder isso, é preciso que notemos, ainda, três pessoas ricas no AT: Abraão, Jó e Salomão. Todos estes homens possuem atributos de sabedoria vinculados a eles e de riqueza também. Então, o que a riqueza destes homens diz para nós? Que existe outro tipo de riqueza. E isso é o que Cristo nos diz em Lucas 16:11, ao relatar que há uma riqueza que não acaba, ou, em outros termos, uma herança (1 Pd 1:4). Cristo ainda vai além, e menciona que a riqueza deve ser acumulada nos céus (Mateus 6:20). Ora, quer dizer que Abraão, Jó e Salomão foram carnais por acumularem dinheiro na Terra? De modo nenhum! Como dissemos, o AT é uma sombra do que seria o NT. Portanto, quando o povo entrou em Canaã, aquilo representava a entrada do povo no Novo Céu e Nova Terra, de forma que possuir propriedades aqui não é pecado e nem contra indicado, apenas é uma sombra contínua das coisas que as escrituras nos instruem buscar.

Obs.: Segundo os apóstolos, a riqueza é tanto o conhecimento de Deus, quanto algo que teremos no céu. É tanto a rica graça de Deus, quanto também, em última análise, outras riquezas materiais que recebemos. Basta você utilizar uma bíblia virtual e buscar por “riqueza”, “rica”, “rico” no NT.

Assim, o que faço com os alertas do NT contra a riqueza? Ora, para que não estendamos demais o nosso texto, vou explicar duas partes do NT que são usadas contra a riqueza – 1ª: Tiago fala sobre a bem aventurança do rico que for abatido, e de como sua riqueza murchará. Contudo, breve leitura no capítulo 2 menciona características que os ricos que Tiago repreende possuíam> Primeiro, blasfemavam a Deus e, segundo, levavam os pobres aos tribunais. Tal exemplo é tão claro que não é necessário explicação longa: tornavam os pobres mais miseráveis, e por isso careciam de misericórdia.

Vejamos melhor a questão de os ricos levarem os pobres nos tribunais. Levar o pobre ao tribunal era, justamente, o jeito de tirar mais coisas dele. Tristemente, a igreja a qual Tiago se dirige estava dando atenção aos mesmos ricos que continuavam extorquindo o povo com processos que inevitavelmente os condenaria, para transferirem sua riqueza aos ricos.

Obs.: quem já leu história antiga deve saber que isso era um conflito tão forte que, eventualmente, em certas cidades, guerras civis ocorriam de pobres contra ricos e vice versa (coisas como estas são relatadas por historiadores da época), justamente por conta da riqueza. De certa forma, podemos notar que Tiago repreende, do mesmo modo, tanto o rico, por se gloriar em sua riqueza, quanto os pobres que priorizam os ricos mesmo com estes ricos tirando mais dinheiro deles! Em resumo, é a verdadeira expressão de um povo que de todos os modos amava o dinheiro, sendo rico ou pobre.

Isso não deveria nos surpreender, porque, no nosso segundo texto, Paulo diz: o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males, isto é, dos sofrimentos e conflitos entre os homens (1 Timóteo 6:10). Note que Paulo não diz que o rico é raiz dos males, nem mesmo que o dinheiro é a raiz dos males – e sim que o amor, só o amor ao dinheiro é que conduz à brigas e intrigas que provém da riqueza. Se você não amar o dinheiro, não brigará com ninguém por causa dos confortos e riquezas do mundo.

Cremos que isso é mais do que suficiente para demonstrar que a riqueza não é e nunca será um problema para o crente. Seja rico, seja pobre, mas acima de tudo mantenha a misericórdia e o amor ao próximo. Sem julgar o rico por ter riqueza, e sem julgar o pobre, condenando-o por preguiça ao inferno. Jamais façam isso entre si.

De qualquer modo, todos os alertas do NT podem ser entendidos em termos de disputas, amor e brigas em torno da riqueza, e não na mera aquisição voluntária e comum a todos os homens.

EFEITOS DO PECADO

Tendo visto, em nossos textos sobre escatologia, que já habitamos espiritualmente o “Novo Céu e Nova Terra”, e que não há mais maldição do pecado como havia no AT, quais ainda são os efeitos do pecado? Já demonstramos que, no AT, os filhos herdavam diretamente os pecados dos pais, e que, embora não pudesse o homem punir esse tipo de coisa, Deus mesmo visitava o pecado dos pais nos filhos por gerações, até que a promessa veio, no qual se diz que não mais os filhos sofreriam pelos pais, e sim cada um pelo seu pecado (Gl 6:7, 8).

Pois bem, o texto de Jeremias 31:29-37 é muito claro: a promessa para a Nova Aliança, que permanece mesmo após o Novo Céu, é que cada um paga pelo seu próprio pecado, o que você plantar colherá. Dito isso, é evidente que o pecado ainda possui efeitos, mas não como meras consequências que advém logicamente de sua prática – na realidade, a consequência lógica deve ser vinculada a erros administrativos da vida, e não ao pecado. Explico:

Qual a relação entre a morte e o adultério? Ou, entre o falso testemunho e a morte? Não existe uma relação causal, não no sentido lógico (embora haja muitos autores que tentem estabelecer essa conexão lógica). O que há é Deus dizendo que o adultério gera a morte, e tão somente isso. Em alguns casos, contudo, Deus faz com que a pena seja mais ou menos lógica. Assim foi com Davi, que por ter se deitado com Bate-Seba teve seu filho se deitando com suas concubinas, e por ter matado Urias teve a sua própria casa o perseguindo com a espada – embora na mente dos que assim procederam não houvesse nenhuma relação com o adultério de Davi.

O ponto é que, assim como a história de Davi nos ensina e Jeremias alerta claramente, cada um ainda paga pelos seus próprios pecados, mesmo com Cristo tendo morrido por eles. Mas, tal qual o cordeiro sacrificado tirava os pecados e a cidade de refúgio impedia a morte dos assassinos acidentais, Cristo protege a estes.

Na Escritura não existe incoerência entre eu sofrer pena pelo meu pecado e Deus já tê-lo perdoado (2 Sm 12:13, 14). Isso é assim porque o perdão implica restituição (o que será nosso tema junto com a disciplina eclesiástica). Não, perdão não é ignorar o que alguém fez, a menos que o perdoador assim o queira (mas não será mais piedoso por isso, do contrário, seria possível ser mais piedoso do que Deus). Assim, isso nos coloca em dois assuntos menores: a restituição pelo pecado e a disciplina eclesiástica:

RESTITUIÇÃO PELO PECADO

Para explicar isso, daremos quatro exemplos, pois falam melhor do que qualquer coisa:

Davi e os Gibeonitas – 2 Samuel 21:1-14

Leia 2 Samuel 21:1-14 e veja o problema: Saul havia derramado sangue dos gibeonitas inocentes e Deus, que não deixa passar nada, pois é justo, enviou fome à terra de Israel. Qual foi a solução para essa crise? Deus disse a Davi que buscasse os gibeonitas para saber o que queriam como restituição pelos males de Saul (2 Sm 21:3). A maldade, neste caso, foi perdoada por Deus, pois a restituição foi devidamente feita (2 Sm 21:14), sendo, neste caso, a família de Saul morta como restituição (lembrando que atualmente os filhos não sofrem mais pelos pais).

Adultério

No caso de Saul, este havia pecado contra Deus, o que havia gerado uma pendência de punição para seus descendentes. Contudo, quando vemos a Lei bíblica, ela tem por fim a misericórdia para todos, e não a punição. Como exemplo superior podemos citar Números 35:31: “Não aceitareis resgate pela vida de um assassino condenado à morte, pois ele deverá pagar com a própria vida” (Lv 24:17; Êx 21:12). O que diz o espírito da lei? Ora, este é o único pecado horizontal que não se aceitava negociar, não havia resgate, embora, claramente, Deus perdoasse, como vemos no caso de Davi com Urias.

Sendo assim a lei, tão misericordiosa, permite resgate por todos os pecados, de forma que se restitua a quem teve seu direito quebrado. Dessa forma diz Provérbios que, quando um homem se deita com outra mulher, no caso, com uma casada, o marido sente que sua honra é tão ferida pelo adultério que, diante dos juízes, não aceitaria negociação, e requereria a vida do ímpio que se deitou com a sua mulher (Pv 6:34, 35). Isso é importante porque o sábio está nos dizendo que o esperado neste caso é a aceitação dos ‘presentes’ ou resgate, mas num caso específico o adultério torna-se inaceitável para o marido. De qualquer modo, diante do dia da vingança, ele poderia aceitar o resgate, o valor da restituição pelo pecado. O espírito da Lei é este.

Olho por Olho e Dente por Dente

Lei mais mal interpretada do que essa é difícil de achar. Pensam os homens que a lei quer dizer, literalmente, que quando alguém te furar um olho você deve furar o outro da pessoa que lhe feriu. Isso não é assim. Não só porque o contexto aponta para os juízes como executores da pena, como também porque, na realidade, o “Olho por Olho” geraria um desequilíbrio legal.

Mas vamos para um exemplo em Êxodo 21:24-27: o que ocorre se um homem ferir o olho de um servo? Deve o olho desse homem ser furado? De modo nenhum, ele é obrigado a dar a liberdade a este servo, pois só a liberdade pagaria pelo olho furado. Para você ter ideia, mesmo se arrancar o dente deve libertá-lo. O que é o “olho por olho”, portanto? É pagar com o que seria equivalente ao olho ou dente ferido. Para ficar mais interessante, quando um homem livre era ferido, se verificava no mercado de escravos o seu valor se estivesse inteiro e também tendo o olho ferido, a diferença entre um e outro era o que o que perpetrou a violência teria que restituir ao homem ferido.

Os exemplos de Êxodo são extremos, para nos mostrar que, quer seja um escravo homem ou mulher, até este é coberto e protegido por esta lei, para que entendamos como a Lei bíblia era misericordiosa. Como um contra exemplo, imagine que eu fosse cego de um olho e cegasse a outro homem, se ele me ferisse o outro olho isso seria absurdo, pois não seria proporcional, e eu ficaria sem poder nem trabalhar, enquanto o outro homem, mesmo que com prejuízo, continuaria sua vida praticamente normal. A Restituição da lei busca equilibrar as coisas, e não desequilibrar – isso é a misericórdia e justiça beijarem-se.

Zaqueu e a Restituição pelo furto

Em Lucas 19 vemos Zaqueu, um publicano que, como de costume, cobrava e furtava aos pobres (se é que este particularmente fazia isso). O que ocorre antes de Jesus dizer que a salvação chegou ao lar dele? É bem simples: ele diz que restituiria quatro vezes o valor do que defraudou. Isso não é aleatório, pois a lei bíblica mesma estipula essa restituição quádrupla (Êx 22:1-4), e até Davi, ao lidar com um caso hipotético, ainda assim espera uma restituição quádrupla (2 Sm 12:6).

Agora pense em todos estes casos; se eu não restituir, não estarei sendo misericordioso com quem eu furtei. Se eu furtar e tiver a minha mão cortada, também não estarão sendo misericordiosos comigo. A lei quer que a misericórdia triunfe no juízo, por isso faz por onde para que ninguém morra. E isso é assim porque no reino de Deus o Senhor quer que tenhamos vidas longas, mesmo neste mundo – isso é agradável a Deus (1 Tm 2:2, 3; Ef 6:2, 3).

Portanto, qual é o efeito do pecado? Em nenhum momento a escritura tirou a restituição de vista. Mesmo que não haja juízes entre nós, devemos buscar arcar com o nível que é preciso para recompensar aquele a que causamos mal, do contrário, Deus é quem irá requerer de nós o que fizermos. Porém, quando Deus faz algo, sempre é doloroso; mas ele tem uma grande paciência para conosco, a fim de que nos arrependamos sempre antes que qualquer calamidade nos ocorra.

Obs.: quando Cristo morreu na cruz veio para trazer paz com Deus, ou seja, não só abolir os pecados que existiam em formas de sombras, mas também para que tivéssemos a restituição providenciada por Deus mesmo. Em outras palavras: a morte de Cristo é para resolver a restituição a Deus, e não ao próximo. Se o meu próximo for ferido (fisicamente) por mim, não posso apelar à morte de Cristo, antes, devo restituí-lo. Contudo, com relação a Deus, supondo que eu o blasfeme, terei em Cristo refúgio, embora não queira dizer que não sofra uma determinada pena. Tal é o caso do cordeiro, que existe na natureza porque Deus o criou, e ainda assim este era dado a Deus como oferta pelo pecado – a sombra quase perfeitamente representa a realidade.

É evidente que Mateus 18 pode ressoar na mente de alguns, como se a parábola que Jesus conta ali a respeito do servo que é perdoado sem ter nada exigido dele contradissesse o que dizemos acima. Contudo, o servo já estava em dívida, ou seja, já devia ao senhor e não havia possibilidade de pagamento ou resgate. Sendo assim, do mesmo modo, Deus Pai, vendo que não tínhamos como pagar resgate pela nossa vida, providenciou ele mesmo a Cristo. Neste caso, o que temos é o que já dissemos: cada um pode perdoar ignorando a restituição, porém, como Cristo mostra, tanto o caso de Zaqueu (no qual houve salvação) quanto no caso do perdão pessoal dos pecados ignorando o resgate, há piedade. E lembre-se que a parábola está falando de alguém que não tem como restituir pela sua dívida – o que, novamente, prova a misericórdia da lei.

DISCIPLINA ECLESIÁSTICA

Já tratamos deste assunto em um texto, justamente sobre a disciplina eclesiástica na CFW, agora porém, cabe breves observações:

1 – A bíblia não funda instituições, isto é, não existe a “instituição da família” nem “da Igreja”. Na Escritura – e para desespero dos que acham que dizer isso acima é suficiente – se estabelecem autoridades (desenvolveremos isso melhor ao comentarmos sobre família no próximo texto).

2 – Havendo autoridades, o poder delas é, o de justamente, poder excluir, punir ou disciplinar alguém. Se alguém é chamado de autoridade e nada pode fazer, logo, é um mero fantoche ao serviço de outros que querem decidir quem faz e quem não faz parte de um meio.

É neste molde que Cristo passa autoridade aos apóstolos para ligarem e desligarem, é neste molde que Paulo entende que a Igreja de Corinto precisa expulsar do meio dela o incestuoso, e é neste molde que no Novo Céu e na Nova Terra os “cães” ficam fora da Nova Jerusalém (embora ainda no Novo Céu e na Nova Terra).

Vejamos de outro modo, e citemos as passagens: em Mateus 18 vemos Cristo mesmo dizendo que um homem que peca contra outro deve, se não se arrepender, ser retirado do meio da união do povo de Deus; ora, ser um “gentio” e “publicano” para um judeu naquela época é dizer que não se recebe no próprio lar, nem no ajuntamento. Não sem motivo, baseado nestas mesmas palavras de Cristo Paulo diz: “não se ajuntem com os que praticam incesto” (1 Co 5:9) e “Tirem do meio de vocês este ímpio” (1 Co 5:13).

Portanto, a disciplina eclesiástica é algo sério, não sem motivo pesada, e que deve ser aplicada somente a pecados, e jamais a questões de costume, cultura ou época. Tudo deve ser estritamente falando em termos de pecado. Porém, note que, em termos práticos, há pecados que podem resultar em disciplina automática, ou melhor, expulsão automática, e há outros que exigem paciência. Tal coisa é o exemplo do assassinato que já vimos: para este, sem misericórdia deve haver expulsão do meio do ajuntamento do povo, porém, para o que furtou algum objeto, deve haver tentativa de conversa e arrependimento individual, na esperança de que não precise ser disciplinado.

Para que você entenda veja> haviam irmãos furtando em Éfeso, o que faz Paulo dizer:

Aquele que furtava, não furte mais; antes trabalhe, fazendo com as mãos o que é bom, para que tenha o que repartir com o que tiver necessidade. (Efésios 4:28)

Você acha que trabalhar é o oposto a furtar? De modo nenhum. O mandamento é não furtar, e não o trabalhar. Então, porque neste contexto Paulo diz isso? Por dois motivos: Primeiro porque ele está falando que estamos diante de uma comunhão, ou igreja. Ora, na igreja era (e é) comum que alguém passe necessidade, e eu, se trabalho, e quero que os outros parem de furtar, então preciso dividir o que tenho. Afinal, Paulo ao invés de maltratar estes crentes sabe, que, como diz Provérbios eventualmente se tem pena do ladrão que furta por fome (embora o texto claramente diga que ele ainda assim pague pelo furto – Pv 6:30-32 [o texto diz que o ladrão que rouba por fome não é injuriado, mas paga mesmo assim; o adúltero, que se deita com a mulher do próximo, também paga pelo que fez, ou seja, se até o ladrão que ninguém injuria acaba por pagar, quanto mais o adúltero que já é injuriado]).

Então, qual o ponto de Paulo em Efésios 4? É converter o espírito do ladrão a ponto de fazer o oposto, para que divida com outros e não passem estes outros a furtar também. Ele não está explicando o mandamento, ele está dando o mandamento e acrescentando um meio de administrar solução para um problema em particular. Se você não furta e não trabalha, sendo rico, não está pecando.

O ponto focal é mostrar que em alguns casos só o trabalho com doação resolve o problema de furto na igreja, e não que a doação e trabalho sejam o oposto de furtar.

PREGAR A JUSTIÇA

Ouvimos com frequência que Noé pregou aos seus contemporâneos, pois – diz o apóstolo Pedro – ele era um pregador da justiça (2 Pd 2:5). Contudo, isso é um equívoco, pois, se é que Noé pregou em algum momento de sua vida, isso não foi registrado. Então, por qual razão diz Pedro que Noé pregou ou proclamou a justiça? O motivo é bem simples e duplo:

Primeiro, Noé é o primeiro homem na Bíblia a ser chamado de justo (Gn 6:9). Isso deveria por em dúvida qualquer questionamento nosso em relação à afirmação de ele ser, literalmente, um pregador, já que Pedro quis, de fato, destacar de Noé sua justiça. Mas temos um exemplo claro de que pregar a justiça na Bíblia nada mais é do que fazer atos justos, como vemos no caso abaixo:

Mas Jesus, sabendo disto, afastou-se dali. Muitos o seguiram, e a todos ele curou, advertindo-lhes, porém, que o não expusessem à publicidade, para se cumprir o que foi dito por intermédio do profeta Isaías: Eis aqui o meu servo, que escolhi, o meu amado, em quem a minha alma se compraz. Farei repousar sobre ele o meu Espírito, e ele anunciará justiça aos gentios. (Mateus 12:15-18 [Isaías 42:1])

O que Cristo fez que foi anunciar justiça? Simples: ele curou os pobres e oprimidos (que, de fato, eram odiados [Salmos 10 e 12]). Curar estes é equivalente a anunciar justiça aos gentios, ainda que, na prática, Jesus os proibisse de o exporem publicamente. Em termos práticos, conquanto a pregação do Evangelho sempre seja verbal, isto é, sempre se utilize palavras, a pregação da justiça não precisa de palavras. O Evangelho é uma notícia nova, a justiça é a prática do certo. Assim, temos claramente o motivo de Noé ser o pregador da justiça: ele fazia o certo, e por isso, como segundo Adão, proclamava a justiça, e prefigurava o último Adão, que teria suas obras de justiça explícitas descritas.

ORGULHO/QUEBRA DA LEI/VIOLÊNCIA

Lidamos, diariamente, com duas definições de orgulho. A primeira, e mais comum, é a de alguém se se sente superior, sempre se acha certo e coloca-se em evidência sempre – até a prática da masturbação, por alguma razão, frequentemente entra na esfera de orgulho e egoísmo. Isso é a definição filosófica, que não se encontra na Escritura de modo algum. Isso não quer dizer que a definição filosófica precisa ser descartada, ela só precisa encontrar o seu lugar, que não é o de definir o que é pecado, mas, no máximo, o que é aceito ou não socialmente.

Dito isso, é preciso agora ressaltar a definição bíblica de orgulho, na qual, nada mais nada menos, notamos que é o não ouvir a Deus em sua Lei ou, no mais extremo, o ser violento e opressor. No último caso, normalmente nossas bíblias traduzem o termo como “arrogância”, “arrogante” etc., mas vamos olhar com mais atenção estes casos.

Não ouvir a Lei de Deus

O primeiro ponto é que o Orgulhoso, Arrogante ou Altivo não se aconselha, não busca a Lei de Deus. “Aconselhar” neste contexto não significa pedir opiniões, pois todos pedem. Mas é buscar a sabedoria da Lei de Deus, no sentido de saber o que é pecado e o que não é.

Increpaste os soberbos, os malditos, que se desviam dos teus mandamentos. Salmos 119:21

Porém eles, nossos pais, se houveram soberbamente, e endureceram a sua cerviz, e não deram ouvidos aos teus mandamentos. Neemias 9:16

Da soberba só resulta a contenda [disputa, discórdia], mas com os que se aconselham se acha a sabedoria. Provérbios 13:10

Ora, o que é isso? É a clara evidência de que soberba é, antes de tudo, abandonar a lei de Deus. Contudo, este abandono é prático, e não mero sentimento de ser melhor em algo. Por isso o sábio diz que da soberba só resulta contenda. Assim sendo, a soberba é o produtor direto da discórdia e briga e, por fim, da violência. Você não entendeu errado: a soberba não tem a ver com “orgulho espiritual” ou qualquer coisa na qual você se ache supostamente bom; a soberba é uma coisa que produz conflito, briga, e por isso, quando o salmista fala de arrogância e soberba ele quase sempre a vincula diretamente à violência:

Violência e Opressão

Exalta-te, ó juiz da terra; dá o pago aos soberbos. Até quando, Senhor, os perversos, até quando exultarão os perversos? Proferem impiedades e falam coisas duras; vangloriam-se os que praticam a iniquidade. Esmagam o teu povo, Senhor, e oprimem a tua herança. Matam a viúva e o estrangeiro e aos órfãos assassinam. Salmos 94:2-6

Como você pode ver, o termo “Soberbo” e o termo “perverso” são sinônimos para o salmista. E o que é um soberbo e um perverso? É quem mata (e isso é “oprimir” na Bíblia) os inocentes e indefesos.

Envergonhados sejam os soberbos por me haverem oprimido injustamente; eu, porém, meditarei nos teus preceitos. Salmos 119:78

Como você pode ver, um homem pode saber que é justo e que está sendo oprimido injustamente (ou seja, estão tentando matá-lo). E, novamente, o soberbo é quem tenta matar o inocente.

Daí, a soberba que os cinge como um colar, e a violência que os envolve como manto. Salmos 73:6

Claramente o salmista está equivalendo soberba à violência. Isso é assim porque, conquanto leiamos os salmos como um livro poético, ele é extremamente cru e realista, não é poesia grega, é realidade nua para aqueles que são perseguidos fisicamente, e contra os quais se diz falso testemunho a fim de que sejam executados por outros. Graças a Deus não vivemos no contexto do salmista, portanto, não precisamos orar exatamente o que ele orava justamente porque Deus respondeu as orações do salmista, que pediu, frequentemente, que os inocentes achassem vida e não sofressem como o próprio salmista sofreu. Mas sigamos:

O perverso, na sua soberba, não investiga; que não há Deus [na realidade é que “Deus não age”] são todas as suas cogitações. São prósperos os seus caminhos em todo tempo; muito acima e longe dele estão os teus juízos; quanto aos seus adversários, ele a todos ridiculiza. Pois diz lá no seu íntimo: Jamais serei abalado; de geração em geração, nenhum mal me sobrevirá. A boca, ele a tem cheia de maldição [amaldiçoa o inocente, ou seja, crê em divindades], enganos e opressão [falseia testemunhos para que homens morram]; debaixo da língua, insulto e iniquidade [insulto = aplica títulos falsos aos que são inocentes e praticam o pecado]. Põe-se de tocaia nas vilas, trucida os inocentes nos lugares ocultos; seus olhos espreitam o desamparado. Está ele de emboscada, como o leão na sua caverna; está de emboscada para enlaçar o pobre: apanha-o e, na sua rede, o enleia. Abaixa-se, rasteja; em seu poder, lhe caem os necessitados. Diz ele, no seu íntimo: Deus se esqueceu [vê, ele crê que Deus existe], virou o rosto e não verá isto nunca. Levanta-te, Senhor! Ó Deus, ergue a mão! Não te esqueças dos pobres. Por que razão despreza o ímpio a Deus, dizendo no seu íntimo que Deus não se importa? Salmos 10:4-13

O ímpio é o homem que sente orgulho do mal que faz, e o mal que faz sempre inclui briga e violência. Principalmente contra os necessitados, pois contra iguais ele sabe que seria mais difícil. Assim, o que ocorria? O processo é simples: um homem pobre era convocado para trabalhar e, trabalhando, não recebia o que devia ser dado a ele, fazendo com que literalmente morresse de fome (Dt 24:15 e Jr 22:13-16). Em outras palavras, temos um homem que procurava especificamente pobres para que fossem explorados e não tivessem força para agir.

Obs.: eu sei que muitos pensam na bíblia politicamente e lerão, nisso, o “sistema capitalista”. Conquanto não sejamos defensores ativos do capitalismo, a pergunta que fica é: na época que o texto foi escrito existia capitalismo? Se você disser “sim”, então pode desistir de lutar contra um sistema milenar que nunca deixou de existir, você não é especial a ponto de supostamente vencer este sistema; e se sua resposta for “não” então este texto não tem nada a ver com o capitalismo.

Mas quando o ímpio se vê com o pobre o levando à causa diante dos juízes o que o soberbo fazia? Ele o insultava, ou, na realidade, lhe atribuía títulos falsos de pecado, como de ladrão ou qualquer coisa que conseguisse para que o pobre fosse punido e não ele. Ele – o soberbo, é sábio aos próprios olhos, isto é, prática o que acha certo pra si, não ouve a Deus e não se importa com o que Deus acha do que ele faz ao explorar o fraco.

Obs.: Gênesis 4-9 é praticamente somente sobre violência. A Bíblia, já nos primeiros capítulos, e para enfatizar a malignidade do pecado da violência, dedica 5 capítulos a praticamente só este assunto. O mesmo podemos dizer dos salmos, no qual a maioria está preocupada com violência e falso testemunho (que resultava em morte na maioria dos casos, como vemos no falso testemunho contra Cristo). Então, é verdade que o orgulho é o pior pecado, mas é o pior por ser o que causa violência, opressão, perseguição e insultos.

PRA QUÊ TUDO ISSO?

Para você que está lendo, pode parecer que todos os assuntos são desconexos. Mas existem algumas razões do porquê os tratamos e para quê escrevemos tal texto:

1 – Há vários homens que dizem que é pecado ser rico ou que dizem que o crente tem que ser rico. Esse tipo de coisa ignora a sombra que a riqueza é nas Escrituras e também ignora que essa sombra não foi finalizada por Deus. Portanto, tanto um quanto o outro está errado.

2 – Nenhuma igreja que conhecemos julga corretamente o pecado, ou por inventarem pecados que não existem, ou por punir quem já pagou tudo o que deve. Além disso, deixa impune muitos que simplesmente disseram que se arrependeram, e supostamente dão frutos de arrependimento por pregarem ou fazerem caridade em geral, enquanto os que foram feridos com o pecado destes permanecem sem receber a restituição. Ainda, de fato, muitos acham que Deus não pune mais o pecado, o que não é verdade, porém, atualmente, é muito mais simples do que no AT – embora mesmo no AT nem todo sofrimento tenha sido por causa do pecado daquela pessoa em particular (p.ex. Elias).

3 – Muitos ainda dizem que o crente tem que pregar a justiça falando do Evangelho, e isso é um erro. Nenhum crente em particular é obrigado a falar do evangelho, e ninguém prega o evangelho apenas por viver justamente. No fim, ser um pregador da justiça é viver piedosamente o que Deus ordenou, obedecendo o que ele proibiu e praticando o que ele exigiu. Tão somente isto é a justiça.

4 – Por fim, não é incomum que, usando-se a definição filosófica de orgulho, venham dizer que quem não ouve a tradição da igreja ou qualquer coisa semelhante é orgulhoso. Ora, gastarei um tempo neste último ponto por ser interessante. Note como dizem: “ninguém deve interpretar a bíblia ao seu próprio modo (o que concordamos) e, para ninguém interpretar ao seu próprio modo, devemos interpretar a um modo que era de alguém e se tornou consenso”. Será que se o meu modo de interpretar se tornar consenso e existir por mil e quinhentos anos será visto como um modo oficial de entender o texto?

Tolice, chamem-nos de orgulhosos, e chamem aos outros de orgulhosos, quando, no fim, vocês acabam por se condenar, pois contradizem aquilo que é o básico e natural no processo interpretativo do texto – dado o contexto em que se vive de acesso à leitura. Tais homens nos atribuem orgulho, não sabendo eles o que é o orgulho nas escrituras. E posso ir além: o que nos dizem é que o orgulho é quando alguém tem uma opinião elevada sobre si, sendo o pecado mais secreto de todos. Tal coisa é pura mentira, pois o orgulho é aquilo que é mais expresso de todos: é o homem que desobedece a Deus claramente e odeia seus mandamentos, a ponto de quebrar o mandamento de amar o próximo e ainda dizer que ninguém se importa. Esqueça os materiais filosóficos sobre o assunto.

Por fim, o ponto focal dos textos acima é, justamente, o falso julgamento. Em todos os casos temos homens acusando outros falsamente, quer por pecados que existem quer por pecados que inventaram. Deus, que é bom, jamais permitirá que tal coisa siga adiante sem vozes dissonantes. Evidentemente, ainda teremos mais texto sobre os pontos que não tratamos, porém, manteremos a mesma lógica: o problema é o falso julgamento com um padrão que não existe, contra os inocentes: quem está mais próximo de ser o orgulhoso que as escrituras definem?

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