INSTRUMENTOS MUSICAIS

Já temos um texto no qual expomos em linhas extremamente gerais o conceito de não continuidade dos instrumentos musicais na Nova Aliança. Contudo, sabendo que é um assunto ignorado, resolvemos retomá-lo com mais algumas observações. Via de regra, não é necessário que leia o outro texto se já acreditar que o uso de instrumentos musicais não é ordenado para o culto na Nova Aliança.

Porém, abaixo mostraremos que esta resposta está certa… e errada ao mesmo tempo. E por vários motivos: o primeiro é o uso escatológico dos instrumentos no AT, o segundo é a generalização que fazemos dos instrumentos (ignorando de quais a Bíblia fala) e o terceiro é a falta de compreensão de que o uso de instrumentos, mesmo que sejam exatamente os mesmos do AT, não distorce o culto. Veremos isso por etapas.

USO ESCATOLÓGICO

Alegria, Tristeza e Significados Específicos

Uma leitura simplista de qualquer texto bíblico que menciona instrumentos musicais deixa claro que eles se relacionam à sentimentos específicos. Por exemplo, podemos iniciar com a travessia no Mar Vermelho:

Então Miriã, a profetisa, a irmã de Arão, tomou o tamboril na sua mão, e todas as mulheres saíram atrás dela com tamboris e com danças. E Miriã lhes respondia: Cantai ao Senhor, porque gloriosamente triunfou; e lançou no mar o cavalo com o seu cavaleiro. Êxodo 15:20,21

Note que há forte expressão de alegria, tanto pela dança quanto pelo uso dos instrumentos. Fato notado também nos livros fora da Lei, quando relatam:

Exultai no Senhor toda a terra; exclamai e alegrai-vos de prazer, e cantai louvores. Cantai louvores ao Senhor com a harpa; com a harpa e a voz do canto. Com trombetas e som de cornetas, exultai perante a face do Senhor, do Rei. Salmos 98:4-6

Então voltaram todos os homens de Judá e de Jerusalém, e Jeosafá à frente deles, e tornaram a Jerusalém com alegria; porque o Senhor os alegrara sobre os seus inimigos. E vieram a Jerusalém com saltérios, com harpas e com trombetas, para a casa do Senhor. 2 Crônicas 20:27,28

Levantam a voz, ao som do tamboril e da harpa, e alegram-se ao som do órgão. Jó 21:12

Como podemos ignorar o fato de estes, e praticamente todos os outros textos do AT, relatarem que a alegria, a exultação e a felicidade estão vinculadas aos instrumentos musicais? E mais, o oposto também é verdade:

Junto aos rios da Babilônia, ali nos assentamos e choramos, quando nos lembramos de Sião. Sobre os salgueiros que há no meio dela, penduramos as nossas harpas. Salmos 137:1, 2

O abandono da dança (“nos assentamos”) e dos instrumentos é sinal de tristeza, desespero, e aponta até mesmo um afastamento da promessa de Deus, longe do cumprimento alegre do que Deus disse ao próprio povo.

Isso não é um recurso meramente literário pois, como evidência, no NT, escatologicamente, vemos o papel dos instrumentos:

E olhei, e eis que estava o Cordeiro sobre o monte Sião, e com ele cento e quarenta e quatro mil, que em suas testas tinham escrito o nome de seu Pai. E ouvi uma voz do céu, como a voz de muitas águas, e como a voz de um grande trovão; e ouvi uma voz de harpistas, que tocavam com as suas harpas. E cantavam um como cântico novo diante do trono, e diante dos quatro animais e dos anciãos; e ninguém podia aprender aquele cântico, senão os cento e quarenta e quatro mil que foram comprados da terra [de Israel]. Estes são os que não estão contaminados com mulheres; porque são virgens [nunca foram gentios que participavam de cultos idólatras com sexo]. Estes são os que seguem o Cordeiro para onde quer que vá. Estes são os que dentre os homens foram comprados como primícias [primeiros convertidos do mundo do NT, ou seja, crentes que foram judeus] para Deus e para o Cordeiro. Apocalipse 14:1-4

Os judeus que foram salvos no primeiro século (as primícias), estão no monte Sião, na situação oposta ao Salmo 137:1, 2. No Salmo, os judeus choravam porque estavam na Babilônia, longe de Sião, e não queriam tocar as harpas (cf. Is 24:8; Jr 31:4). Em Apocalipse, Deus salvou estes judeus da Babilônia (antiga Israel). No Salmo, os judeus não querem tocar por causa da tristeza, em Apocalipse, as harpas que tinham sido penduradas no Salgueiro estão no Céu, sendo tocadas, sinalizando a vitória (p.ex. Êx 15) e a alegria dos salvos.

Tudo isso é sugestivo, ainda mais se notarmos que este é o significado geral dos instrumentos do AT, e não o específico. Por exemplo, Josefo relata que a harpa era um grande instrumento com doze cordas. Estas doze cordas não eram tocadas na Babilônia, mas quando Judeus foram salvos de todas as tribos de Israel este instrumento foi tocado novamente no céu. Enquanto os judeus não mais existiam como nação santa no AT, não havia como sair alegria das tribos. Quando novamente são ajuntados, e o remanescente é salvo, de fato, cada uma das doze tribos se alegra em conjunto com as outras.

Que coisa mais específica e bela pode ser dita a respeito deste instrumento? Seu sentido é claro, já que nenhuma letra ou palavra está sem motivo na escritura. Perceba que todas as vezes que a harpa é mencionada em Apocalipse é acompanhada de cântico (Ap 14:2, 3; 5: 8, 9; 15:2, 3), sendo em dois casos um cântico novo, apontando uma nova alegria, o verdadeiro Novo Testamento.

Outro exemplo de instrumento com uso escatológico é a trombeta. E isso nos permite até mesmo abrir mão de detalhes, já que todos já sabem da última trombeta “no último dia”. O instrumento tem um motivo escatológico, e ninguém precisa, de fato, ouvir uma trombeta tocar no céu – como, realmente, até onde saibamos, ninguém ouviu no último dia.

Bem, você pode dizer que estamos alegorizando o texto, mas a menos que você não entenda o significado espiritual embutido no próprio texto pelo contexto, não pode nos acusar de alegoriza-lo. O significado está aí, e não procedemos como Orígenes ou qualquer poeta grego. Antes o significado está claramente ligado ao que vemos no texto e não aos nossos sentimentos ou dos de nossa época. De qualquer modo, nosso objetivo não é explicar cada instrumento, antes, vamos prosseguir para um problema normalmente visto no meio de homens que querem impor regras próprias.

A BÍBLIA NÃO FALA DE “INSTRUMENTOS” COMO CONCEITO GERAL

Não existe na Bíblia um conceito “geral” de instrumentos. Até mesmo os salmos que enfatizam que se deve utilizar todos os instrumentos musicais ou os cita, ou devem ser pensados nos instrumentos sagrados já conhecidos pelo salmista e utilizados no culto do AT. Neste sentido, não existe passagem que proíba uso de instrumentos musicais no geral, no culto do NT. Essa extrapolação só existe na cabeça de quem lê a bíblia como se ela falasse meramente de princípios.

Vamos dar um exemplo específico para que você entenda: no AT havia a Menorá que, materialmente, nada mais era do que sete velas que iluminavam dentro do Templo (a única luz, de fato). Sabemos que, com o fim do culto do AT, a Menorá não faz parte do nosso culto, mas ninguém se levantará contra o uso de velas num culto em que, por exemplo, não tenha energia para iluminação (como foi boa parte da história da igreja no Ocidente mesmo). Não é necessário se levantar contra um culto com velas por ver que a Menorá não é mais utilizada no culto. Evidentemente, não se deve levantar contra o uso de instrumentos musicais pelo fato de a harpa de 12 cordas ter cessado o seu papel escatológico entre o AT e o NT (assim como a Menorá cessou).

Mas podemos ir ainda mais longe. O mero uso da Menorá também não implica transgressão, visto que materialmente nada é, exceto um instrumento de iluminação e, conquanto seja utilizada dessa forma, devemos guardar qualquer julgamento. Ora, temos templos, ainda que o templo tenha se extinguido do seu significado entre o AT e o NT – de forma que todos sabem que as paredes das igrejas não simbolizam a igreja em si, construída por Deus como a realidade a qual o templo do AT apontava, tornando cada crente individualmente “pedra viva” (1 Pd 2:5) e conjuntamente a casa de Deus (1 Pd 2:5).

Tudo o que o AT atrela ao culto é escatológico, mas, ao mesmo tempo, não podemos extrapolar para a categoria dos objetos. Ao dizermos que a harpa de 12 cordas tem um significado, não quer dizer que harpas de 2, 3, 4 ou até mais cordas tenham o mesmo significado. A bíblia não trata de categorias abstratas, e sim de coisas táteis específicas com significados específicos. Se eu proíbo o uso de instrumentos musicais no culto baseado no fato de os instrumentos do AT terem cessado, também devo proibir templos, velas e qualquer coisa que muitas dessas mesmas igrejas “tradicionais”, “reformadas” e “históricas” defendem como parte de sua teologia do culto e liturgia – se bem que, na verdade, todas essas defesas são tolas e inúteis para Deus.

E preciso que você compreenda isso de forma ainda mais específica: no AT a quantidade de instrumentos vai aumentando, assim como o tamanho do tabernáculo é menor do que o Templo, a quantidade de salas no Templo é maior do que a quantidade do tabernáculo (que só tinha três partes, na verdade), porque cada vez mais o AT aumenta em glória até chegar na igreja, que é alegre, completa, formada, separada da comunidade da Antiga Israel e que se formou homem perfeito, não sendo mais levada por ventos de doutrinas judaicas.

Não estamos diante de um conflito entre poder e não poder, mas sim entre sombra e realidade. Por isso, tanto o reformado que proíbe o uso de instrumentos em geral está errado quanto o que acha que todos instrumentos devem obrigatoriamente ser utilizados – ou melhor, utilizados com algum significado em si. Pois neste caso, sabemos que a harpa de doze cordas possuía um significado escatológico que não é mais presente, e não precisamos trazer as sombras de volta quando a realidade já está completa.

“Ah, mas a história da igreja…”. Meu jovem, já conhecemos a história da igreja tanto quanto a história de Israel no AT. E se Israel tão logo chegou na Terra prometida errou, o que impede a igreja de errar nessas coisas (menores)? Se você ama tanto o err… digo, a tradição, se grude nela, e não precisa ler textos como estes por aí – isso só te estressa. Ademais, este texto é curto assim e direto ao ponto justamente para não tomar tempo demasiado, permitindo que as pessoas raciocinem estes assuntos da melhor maneira possível e estudem a própria Bíblia com o objetivo de entenderem o que não explicamos.

Contudo, vamos retomar o nosso ponto: visto que a bíblia não fala de instrumentos de modo geral, ela evidentemente tem a intenção de que aqueles mencionados por ela sejam notados e percebidos em seus significados. E poderíamos tentar buscar muitos destes entendimentos no texto bíblico, como já apontamos algumas coisas.

Pode parecer evidente que os instrumentos musicais no AT fossem meras expressões de alegria, o que provaria que metade deste texto está correto. Porém, o vínculo escatológico que o próprio texto bíblico faz, por exemplo, da trombeta à guerra do Senhor contra Israel no NT não pode ser ignorado. Por isso insistimos: é necessário um entendimento cuidadoso disso, mas ao mesmo tempo é preciso entender que o papel escatológico dos instrumentos é menos importante do que outras questões.

Mesmo assim espero que você gaste algum tempo meditando nestas coisas, sem inventar significados.

NOTA SOBRE A DANÇA:

Sabemos da “informação polêmica” relativa à dança e seu uso “no culto”. Oras, não é verdade que há vários salmos/textos que dizem que deve-se dançar a Deus? (Sl 150:4; 149:3; Lm 5:15; Jr 31:4, 13; Êx 15:20). Pior, quando um crente dançou de alegria a Deus e foi desprezado pela própria esposa, esta nunca teve filhos como punição por este desprezo (2 Sm 6:16, 20-23 – o que prova não só que uma esposa não deve desprezar o marido, como também não deve desprezá-lo por causa de sua alegria diante de Deus).

Portanto, a resposta séria padrão seria: “Não é tudo sombra? Portanto, a dança também é sombra”. Isso é verdade, mas também é verdade o que explicamos da menorá e do templo: tanto o templo quanto sete velas atualmente não são culto a Deus, mas nem por isso são uma distorção do culto, enquanto não forem reestabelecimento do culto do AT. Do mesmo modo que um reformado tem um templo descaracterizado em relação ao templo do AT, não existe razão para lutar contra o que dança.

“Ah, mas nunca a dança no AT foi no templo”. Exatamente! E a menos que você esteja reestabelecendo o culto do AT, com o templo do AT, não existe razão para encrencar com quem dança. Mas você terá um ponto aqui:

Dança, velas, templos não fazem parte do culto a Deus. Dança não é culto, contudo, boa parte de quem é contra essas coisas pula para o lado oposto: “se não é culto então é uma quebra do culto”. Isso não é verdade. O culto não é a roupa, nem as paredes e nem as plantas à nossa volta (se for ao ar livre), por isso essas coisas existem sem nos incomodar. E, conquanto nós mesmos não concordemos com o uso de danças ensaiadas como meio de tentar oferecer um culto a Deus com isso, não concordamos que possamos condenar – afinal, a escritura não faz isso, ainda mais no NT, sem a presença da estrutura do templo.

De qualquer modo, expressão de dança nunca foi delimita na Escritura. Ela sempre foi entendida como natural, mas, ao mesmo tempo, nunca ensaiada – era uma expressão espontânea. E isso, escatologicamente, apontava a alegria futura da igreja em Deus – tornando a expressão física desnecessária, mas não pecaminosa (assim como harpas são desnecessárias, mas não pecaminosas).

“Ah, mas Nadabe e Abiú morreram por prestar fogo estranho a Deus, algo que ele nunca ordenou”. Corretamente! Agora como você traduz isso do AT para o NT, visto que não usamos incenso, templo, propiciatório e coisas semelhantes? Estamos de acordo que Deus tem, mesmo no presente, uma exigência para seu culto, contudo, existe um salto muito grande entre dizer “Nadabe e Abiú” e então você proibir o que você não quer no culto. Para mais sobre o que pensamos a respeito do culto, leia nosso texto Do Culto.

Para finalizarmos, reforçamos que o texto atual deve ser compreendido como parte de um todo, ainda que não seja obrigatório você ler os outros textos para compreender o atual. Toda a nossa série de Escatologia está na categoria de Festas e Sombras – algo que vale a pena você conferir.

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