Visão de Ezequiel

ESCATOLOGIA E O DECLÍNIO DA DEPRAVAÇÃO HUMANA

Neste nosso texto, temos a intenção de explicar mais algumas questões que não tivemos como fazer no primeiro texto sobre Escatologia (leia-o clicando aqui). Este, portanto, é uma continuidade direta daquele, sendo que aqui daremos um exemplo prático de um texto, falaremos da tal “Depravação Total” e explicaremos como ela é diferente antes e depois do retorno de Cristo.

Resolvemos tratar disso por ser um assunto que ninguém, nem mesmo os preteristas, têm interesse. E o motivo é simples: todos estão preocupados com o debate. Não é o nosso caso, pois apenas queremos relatar o que está no texto bíblico, quer você discorde ou não. Se você não concordar com o que for apresentado abaixo não pretendemos ir além.

Além disso, embora expliquemos um texto no início abaixo, nosso foco não será expor textos bíblicos como habitualmente fazemos, visto que tudo o que explicamos abaixo já está explicado em nossos textos como o de Escatologia e Da Igreja. O que estamos apresentando abaixo é uma conclusão óbvia que não é pensada normalmente: a de que a Depravação da Vontade é diferente entre o AT e o NT, com ela, no AT, sendo mais agressiva.

EZEQUIEL

Ezequiel é um livro dificílimo para a maioria dos crentes, pois todos, claramente, querem se ver no texto e pensar no que ele pode significar para nós hoje. Isso é o pior método, pois Deus quer nos mostrar primeiro o que Ele quer falar e, só depois, devemos pensar o que fazer com isso. Como servos devemos ouvir ao senhor sem questionar se aquilo é ou não ‘útil’ a nós. Como um caso prático para entendermos isso, escolhemos um texto que é “grandioso” do nosso ponto de vista, mas na verdade relatava um evento de um único versículo num dos livros de Reis:

Olhei, e eis que um vento tempestuoso vinha do norte, uma grande nuvem, com um fogo revolvendo-se nela, e um resplendor ao redor, e no meio dela havia uma coisa, como de cor de âmbar, que saía do meio do fogo. E do meio dela saía a semelhança de quatro seres viventes (Ezequiel 1:4, 5)

O que se segue no texto é a descrição destes quatro seres que, posteriormente, são chamados de Querubins (Ez 10:1). Aqui surgiram milhares de interpretações idiotas, como a de que representam os quatro evangelhos ou coisas do tipo. Mas vamos ver, por partes, o que o texto diz:

Em primeiro lugar, o texto não fala de algo bom, mas de algo ruim, e isso vemos tanto por causa do “vento tempestuoso” quanto “fogo revolvendo-se nela”. Termos que são sinal de julgamento e condenação, não de alegria ([vento] Ex 15:10; 2 Sm 22:11, 16; Jó 27:19, 21; Ez 27:26; [fogo] Ez 5:4; 30:14; Êx 9:23) – note que isso é uma inversão do julgamento de Deus contra o Egito, porém, agora, contra outro povo.

Em segundo lugar, querubins não são anjos comuns, mas guardiões ou soldados de Deus (Sl 18:9-11; Gn 3:24; Ez 10:2). Eles protegiam o propiciatório e sempre estão ao lado de Deus em seu trono (Êx 37:9; Sl 99:1). O fato é que sua aparição neste texto de Ezequiel sinaliza que Deus está enviando-os para destruir “a cidade” (Ez 10:2), e não para bonança.

Em terceiro lugar, do norte de Israel é que Deus envia os que condenam o povo (Ez 8:5; Jr 46:24; 1:14; Is 14:31). Assim sendo, a mensagem que Deus está passando é que o Seu exército viria do Norte sobre Israel, espalhando fogo sobre a cidade, destruindo o povo.

Isso joga muita luz e limita bastante as coisas. Mas ainda não acabamos, pois quem ficava ao norte? E o que justificaria o fato de Deus descrever quatro querubins e não um? Vejamos:

Antes de tudo, os próprios babilônicos estão ao norte (como já vimos nos textos citados acima). Portanto, quem se levantaria contra Israel? Os babilônicos, por isso o vento vem do norte. O que, contudo, não explica ainda os 4 querubins. O que notamos: Israel seria atacada novamente, após o primeiro ataque já feito (Ezequiel já estava no exílio), e viria do norte (ou seja, comandado pela Babilônia), porém, de algum modo, dividido em 4. Vejamos se temos algo que ocorreu mais ou menos na época de Ezequiel que confirme isso:

Nos seus dias subiu Nabucodonosor, rei de Babilônia, e Jeoiaquim ficou três anos seu servo; depois se virou, e se rebelou contra ele [contra Nabucodonosor]. E o Senhor enviou contra ele as tropas dos caldeus, as tropas dos sírios, as tropas dos moabitas e as tropas dos filhos de Amom; e as enviou contra Judá, para o destruir, conforme a palavra do Senhor, que falara pelo ministério de seus servos, os profetas. (2 Reis 24:1, 2)

A questão é bem simples: Jeoiaquim era o rei na época de Ezequiel (Ez 1:2), e este se virou contra Nabucodonosor, de modo que o que Ezequiel previra era Deus enviando contra Judá seus querubins. E quem eram os querubins de Deus do ponto de vista humano? “Caldeus”, “Sírios”, “Moabitas” e “Amonitas”, provavelmente um dos maiores exércitos de carros daquela época – o que, certamente, explica muito das visões de rodas e tudo mais que vemos nos querubins…

Veja, não estamos inventando nenhuma coisa mirabolante ou falando de coisas nunca ditas no texto, apenas trouxemos o texto do jeito em que ele foi escrito. Os detalhes do texto (que é onde as pessoas se perdem) deixa-se para momento oportuno, mas os marcadores, tanto o local quanto o tempo, são essencialíssimos para se compreender o aspecto de sombra do texto.

Dessa forma, fica claro que Ezequiel previra não uma coisa boa, mas má contra Israel. E nisso o vento que vem do norte trazia quatro querubins ou, em outras palavras, quatro povos, enviados pelo Senhor, contra Israel.

Já no aspecto espiritual (explicado no “Escatologia”) o texto se refere à destruição de Jerusalém pelos romanos divididos em quatro legiões: V Macedonica, XII Fulminata, XV Apollinaris, X Fretensis (ainda que não tenham integrado até o final conjuntamente o ataque). Embora Roma não tenha sido um “povo do norte”, é patente que seu papel é claro como ‘espiritualmente do norte’ sobre a Israel moribunda.

Obs.: a própria Israel passa a ser chamada de Babilônia (por isso é dito ao povo para sair dela, visto que seria destruída – Ap 18:4 [Deus ordena que os crentes saíssem fisicamente dela]). Compreendida assim, como não havia juízo sobre os crentes, é evidente que Israel não só toma o lugar da babilônia, mas sofre o que a Israel do AT sofreu mais o que a Babilônia sofreu – com seu sofrimento sendo dobrado, como nunca houve (Mt 24:21).

Ora, este texto que parece difícil para a maioria das pessoas, é claramente compreendido se lido na perspectiva em que foi escrito, sem nos intrometermos no seu sentido. E ele serve para apontar para nós como grandes descrições de visões, com muita frequência, são ‘pequenos’ eventos do nosso ponto de vista. Da mesma forma como o conceito de Novo Céu e Nova Terra o é na Escritura, sendo uma grande visão, porém, ao se manifestar neste mundo, parece coisa pouca e pequena por causa da forma como vemos.

Os homens que olham o conceito de Novo Céu e Nova Terra e se prendem à visão provavelmente ficariam estupefatos ao chegarem na Terra Prometida e notarem que da Terra não mana nem leite e nem mel, mas que estas coisas precisavam de trabalho, como cuidar de gado e ter cuidado de abelhas. A diferença é que o Novo Céu e Nova Terra, pela sua natureza mais espiritual, é descrito como esta visão de Ezequiel, em proporção muito maior porque espiritualmente é algo gigantesco, ainda que fisicamente pareça algo comum e simples.

Obs.: em Marcos 14:62 Jesus diz que quem o ouvia “veria o filho à destra de Deus”. Porém, fora Estevão, ninguém viu Jesus sentado à Direita de Deus: e o motivo é claro – “ver” não é o mesmo que notar com os olhos que temos, mas saber que Cristo estava à destra de Deus, e isso espiritualmente. O mesmo vale para o que ele diz em seguida, mencionando sua vinda sobre as nuvens, provando que este ato também seria espiritual. Na prática, as descrições espirituais tendem a ser maiores do que o que vemos com os olhos (assim como Jesus era um homem comum ao olharmos com os olhos comuns, porém, é o Filho de Deus, o Senhor, sob quem todo joelho se dobrou, e isso só era perceptível espiritualmente).

Em resumo, o que Ezequiel prova é que visões grandes nem sempre são expressas visualmente de modo grande, podendo ser até mesmo algo corriqueiro em relação a outros povos. Mas vamos avançar enquanto costuramos esta tapeçaria.

DEPRAVAÇÃO “TOTAL”

Depravação da Vontade

O assunto da depravação é frequentemente debatido entre arminianos e calvinistas, e também entre calvinistas e calvinistas, pois alguns possuem certas variações em relação ao que “total” significa na depravação. O ponto, porém, é que é um fato claro que quando os homens pecaram em Adão se tornaram sujeitos intrinsecamente ao pecado, ou seja, não precisam do diabo para pecar, visto que podem produzir seus próprios males sozinhos.

A questão toda, porém, costuma passar de largo o fato de que a Escritura trata de depravação somente em relação à vontade, e jamais em relação ao intelecto. Isso é muito claro no alerta de Deus a Caim, no qual vemos todo o resumo do problema com o pecado: a sua vontade é sobre você, mas te compete dominá-la. Portanto, somente neste trecho, podemos saber que quem pratica pecado é escravo do pecado, visto que o oposto de dominar a vontade é ser dominado por ela – em relação ao pecado (Jo 8).

Obs.: repare que em João 8 o contexto do ‘pecado do qual alguém é escravo’ é o assassinato e falso testemunho. Ser escravo do pecado é desejar estas coisas: matar e prestar falso testemunho contra alguém, e não ter um vício em chocolate ou videogame, coisas que podem ter um tratamento distinto, mas não podem ser confundidas com o pecado.

Eu entendo que os filósofos cristãos gritarão dizendo que afirmar que o problema é somente a vontade contradiz a realidade, visto que os homens distorcem as coisas pelo intelecto e não pela vontade. O problema é que estes mesmos filósofos não entendem que, na escritura, é a vontade em relação a Deus que guia a mente do homem. Por isso, concebe-se a maldade a partir do desejo, e não da razão, que apenas segue a vontade e nada mais (Tg 1:14, 15).

A razão pode ser enganada com ou sem pecado, motivo pelo qual Eva foi enganada antes mesmo da Queda (1 Tm 2:14; 2 Co 11:3). Portanto, essas coisas como “redimir a razão” ou “salvar a razão” nada mais são do que ideias humanas, já que Deus muda o coração, isto é, o centro da vontade humana, para que esta deseje praticar a justiça de Deus, e encontre os meios de fazê-lo, não prometendo nada com relação à razão em si.

Como acabamos de afirmar, a razão era enganável antes da Queda e, assim, ela jamais poderia ser o meio de conversão estabelecido por Deus, de forma que não importa quão racional ou logicamente o argumento seja estruturado, a menos que Deus mude a vontade não é possível haver conversão. Se a razão pode ser enganada, é óbvio que ela nada mais é do que o entendimento, mas não o centro no qual Deus opera.

Por isso, o intelecto não é o problema, o que não significa que ele possa ser o meio para alguém ser salvo, pois não sendo o intelecto o centro do pecado, não são argumentos intelectuais que levarão o homem à fé, mas somente a Palavra de Deus, cujo poder do Senhor utiliza para vencer a vontade do homem. Portanto, não confunda: dizer que o problema não é o intelecto é justamente o que prova que argumentos intelectuais não convertem realmente.

Assim, você verá que todos os enganos bíblicos são mera força da vontade contra o Senhor e nada mais. Podemos dizer que a vontade do homem é totalmente depravada, mas não que o homem é totalmente depravado, ao menos não no sentido calvinista do termo. Pois, conquanto a vontade má infecte o homem, esta não tem o poder de tornar a razão incapaz de raciocinar, ainda que, por causa da mesma vontade, a razão não aceite a explicação espiritual das coisas.

Em suma, o que vemos com os olhos como uma distorção das coisas por meio da razão é, na verdade, um controle da vontade sobre o homem. Porém, diferente do que muitos pensam, mesmo essa depravação sofre mudança entre o Antigo e Novo Testamento, e é o que veremos.

Obs.: talvez você ressalte que em 1 Coríntios Paulo argumenta que as coisas espirituais precisam ser compreendidas espiritualmente. Porém, a capacidade espiritual não é intelectual. Não foi o intelecto atingido pelo pecado, visto que, como Paulo mesmo diz, não muitos intelectuais haviam sido chamados naquela época. Portanto, não é a filosofia, matemática e coisas semelhantes que foram atingidas pelo pecado, mas sim a capacidade espiritual, que reside tanto em intelectuais quanto em tolos. Veja, quando Paulo diz que poucos intelectuais haviam sido chamados, e disse que coisas espirituais se discernem espiritualmente, ele está claramente dizendo que não se discerne as coisas espirituais pela lógica, filosofia ou qualquer das ciências, mas sim que é outra capacidade alheia ao intelecto, e que pode residir em pessoas estúpidas mais do que em inteligentes. Assim, resumindo, se poucos intelectuais foram chamados, é porque os crentes que eram tolos tinham uma capacidade que os intelectuais não tinham: a de enxergar as coisas espiritualmente – e os intelectuais que foram chamados, além da sua intelectualidade, também tinham uma capacidade espiritual.

FIM DESSA TOTAL DEPRAVAÇÃO

O que explica o fato de que, na Antiguidade, todos os homens viviam em guerra com raros momentos de paz e, depois de Cristo, embora ainda existam conflitos, tal ambiente não seja tão frequente? O que explica o sumiço quase repentino dos ídolos antigos que possuíam cultos elaborados em torno de sexo e bebida e comida? Ou mais, o que explica o sumiço do culto aos mortos familiares que, no Império Romano, se tornou culto ao imperador vivo?

A resposta idiota é que o “cristianismo influenciou a cultura”, mas antes de Cristo o povo de Deus estava no mundo, e nunca conseguiu tal façanha! Na realidade, frequentemente, os próprios judeus caiam nessas idolatrias e conflitos, motivos pelos quais a maior parte do AT existe. Se assumirmos que Cristo ainda removeu as sombras do AT, isto é, reduziu a quantidade de coisas a serem ativamente praticadas, isso ainda deixa tudo mais confuso, visto que, na realidade, há menos ‘influências externas “culturais”‘ no NT do que no AT.

A realidade é que não houve uma cultura cristã (isso nem se quer faz sentido, mas não é o nosso tema agora) que influenciou o mundo, mas três processos explícitos pelos quais Deus fez o mundo, mesmo dos descrentes, se tornar diferente do mundo do passado. E, embora estejamos sujeitos aos mesmos pecados, mesmo descrentes se sentem compelidos a não quererem praticar as coisas que eram naturais e comuns até para judeus no passado.

Obs.: muitos vão apelar que, na verdade, as maiores perseguições aos cristãos se deram depois do ano 70 d.C., o que provaria que na realidade houve um agravamento. Bom, além disso ser mentira com uma hiperinflação de mártires, as perseguições pós neronianas se direcionavam não só a cristãos, mas à bruxas e druidas (quando o código legal de Roma foi recuperado na Idade Média, a caça às bruxas retornou – pois romanos odiavam bruxas e magias). Os cristãos acabaram sendo acusados de bruxaria devido, justamente, a algumas doutrinas específicas. A perseguição sob Nero acabou sendo a pior pelo fato de ser no início do Cristianismo, enquanto nas outras já haviam cristãos até fora dos limites do Império – não havia ‘risco’ do Cristianismo morrer.

Vejamos agora o que Deus fez entre o AT e o NT:

Nos descrentes

Os três fatores que ocorreram foram: Purificação (pela morte de Cristo, purificando todo o mundo), Perda da Idolatria (da qual mesmo os descrentes foram libertados), e bênçãos de Deus (as quais positivamente afastaram os ímpios do pecado em geral). Estas coisas são os fatores reais pelos quais o mundo mudou após Cristo, e não porque os cristãos supostamente foram mais avançados culturalmente ou mais inteligentes, pois, como Paulo mesmo testemunha em sua época, não muitos sábios haviam sido chamados naquele momento (1 Co 1:26-29).

A cultura greco-romana, esta sim, é que foi absolvida pelos crentes, de modo que hoje luta-se por esta cultura dizendo-se ser ela, supostamente, cristã. De qualquer modo, deixaremos isso para o final. Por hora, porém, é importante que entendamos o papel de uma mudança no mundo feita por Deus.

Purificação

Cristo morreu por todos. Mas não no sentido salvífico, sendo este último sentido estrito. Mas, para que você compreenda isso, é preciso entender como Deus estabeleceu as leis de purificação na Lei.

O livro de Levítico divide o mundo em três partes: O Templo (o lugar mais santo), Israel (o lugar puro) e o resto do mundo (o lugar impuro). Quando um israelita tocava em algo impuro, como um cadáver ou comia carne de porco, ele não precisava praticar nenhum ritual de pecado, antes, apenas purificador, visto que estas coisas não eram pecado (assim como não ser israelita não era pecado, apenas impureza).

Obs.: o caso da Lepra é interessante, visto que não era um sacrifício pelo pecado, mas de testemunho. Ninguém se curava da lepra em 7 dias, ou em 14, como a lei estabelecia. Pelo contrário, a pessoa levava essa doença para toda a vida, razão pela qual se alguém fosse curado deveria apresentar uma oferta de testemunho (não de pecado), pois seria um milagre de Deus (2 Rs 5:6, 8). No último caso, a cura da lepra sinalizava a vinda de Cristo, visto que só ele poderia curar alguém milagrosamente disso (veja o caso de Naamã e também Mateus 8:1-4)

Neste caso, o mundo inteiro era impuro, algo atestado mesmo em Gênesis 3-4, no qual Adão é expulso do Jardim do Éden, depois Caim é expulso do Éden (não do Jardim), indo para o mundo. Do mesmo modo, o Templo: Santo dos Santos, Santíssimo, e a Entrada. Em tudo isso Deus criou três níveis em relação ao templo, ao jardim, ao Sinai e ao mundo com a nação de Israel e o templo.

Pode-se notar, também, que a própria terra e o piso do santuário se tornavam impuras com o tempo, por causa do pecado do povo (Lv 18:25, 28; 16:16). Isso quer dizer que estas coisas precisavam de pureza.

Ora, Deus destruiu o templo e a nação de Israel para sinalizar que esta distinção tripla não existe mais. Não existe mais um mundo dividido em três níveis de pureza, não existem mais rituais de purificação e não existe mais distinção entre puro e impuro em termos rituais.

Isso é claramente dito por Deus a Pedro, quando este estava preocupado com se deveria ou não pregar aos gentios (At 10-11). O fato de Deus demonstrar os gentios como animais para Pedro é simples: os rituais que impediam a ingestão de animais no AT nada mais significavam que os crentes do AT não deveriam ter contato com os gentios ou andar com eles ou mesmo pregar a eles – ainda que não fosse pecado tal coisa, visto ser apenas impureza.

Pedro compreende isto bem, de tal modo que após a visão entende que Deus purificou os gentios, do mesmo modo como um israelita era purificado das impurezas que o separavam de Deus. É claro que um israelita não era santo por estar puro, assim como um gentio não é santo por estar puro. E aqui entramos no aspecto espiritual do sentido destas coisas.

A impureza “são” os pecados que misturam coisas que não devem, como homossexualidade masculina (Rm 1), ou se deitar com animais ou nora (Lv 18:23; 20:12). Isso é o pecado da impureza na sua plenitude. E é isso que separa alguém de Deus hoje. Algum descrente, porém, que não pratique estas coisas estará puro, embora não necessariamente seja santo, visto que a santidade implica, ainda, a prática da justiça de Deus e não somente o abrir mão das impurezas.

Obs.: perceba que quando havia sacrifício em Israel pelos pecados, sempre era somente por Israel, pelo Povo de Deus, pois não fazia sentido que todo o mundo tivesse um sacrifício por ele. De modo que Cristo, mantendo a lógica do sacrifício, morre para tirar os pecados do seu povo (Mt 1:21) e não do mundo todo, ainda que aparentemente alguns textos digam o contrário (neste caso, geralmente os textos estão contrastando ‘judeus e gentios’, ou seja, morrer pelo mundo é morrer por judeus e gentios, não por todos sem exceção).

Assim, da mesma forma que Deus governava os israelitas puros, também governa os gentios por atualmente serem puros, visto que o deus da última era não governa mais. E isso significa não só o fim daquela impureza de modo negativo, mas também que Deus positivamente limpou os homens do que os distanciava de Si mesmo, de modo que o Reino de Deus chegou a todo o mundo, algo que antes era limitado somente a um povo (Jesus promete que alguns não morreriam até que vissem vir o Reino de Deus em sua plenitude – Lc 9:27 – algo só possível após a vinda de Cristo).

Perda da idolatria

Sabemos que para os crentes atuais tudo é ‘idolatria’, pois acham que idolatria é gostar demais de algo. Mas lhe digo algo: muitos deuses a quem os homens sacrificavam, não eram adorados por amor, e sim por medo (para aplacar divindades) ou por tradição. Na realidade, com muita frequência não haviam emoções fortes, a ponto de ser necessário induzi-las, tanto por meio do sexo, como da festa. Essa idolatria (idolatria de verdade) não é comum entre nós, ou o que há é uma tentativa frustrada de imitação destas coisas. E há motivos espirituais (não culturais) para isto.

Sabemos, por meio de Josefo, que os gentios ouviram, durante a queda do templo, que os deuses estavam deixando o mundo. E isso é relevante se considerarmos que Deus prometeu isso especificamente para seu povo:

E acontecerá naquele dia, diz o Senhor dos Exércitos, que tirarei da terra os nomes dos ídolos, e deles não haverá mais memória; e também farei sair da terra os profetas e o espírito da impureza. (Zacarias 13:2)

A profecia acima não é somente sobre o fim do profetismo e da impureza, mas também do nome dos ídolos. E é importante que entendamos que Deus está prometendo que ainda haveria mentira sobre profetismo (Zc 13:3-4), mas não o profetismo em si. Este texto, além de afirmar o que já dissemos em outros lugares, atesta que os falsos deuses seriam esquecidos, algo muito claramente cumprido, ainda que, novamente, sempre haja, por causa de certas tradições, alguma resistência.

Mas por qual razão os povos adoravam outras divindades? O motivo é simples: o diabo as governava, ele é quem imperava sobre elas, e por isso induzia as nações ao seu próprio culto (Lc 4:6; 1 Co 10:20). Ora, ao mostrar os reinos do mundo para Cristo, Satanás prova que tais reinos eram dele ainda, e Cristo não objeta a isto, pois de fato Satanás governou os povos (Jo 12:31; 14:30; Ef 2:2).

Quando Satanás ganhou o poder de governar os povos? Ora, quando Adão caiu, Deus mesmo disse que a semente da Serpente lutaria contra a da Mulher, resultando, assim, no fato de que a própria serpente teria povo(s). Durante todo o AT podemos ver que a serpente é quem governava as outras nações, pelo simples fato de que elas possuíam como modo prevalecente o culto aos falsos deuses.

Paulo, porém, esperava que os homens fossem removidos da idolatria em um momento específico, que seria na “revelação” dos filhos de Deus (Rm 8:19-22). Tratamos destes versículos em outro lugar, então não vemos necessidade de voltarmos a eles. De qualquer modo, o ponto central de Paulo é que as criaturas (isto é, os gentios) seriam libertas da escravidão, por isso esperavam a liberdade, e não a glorificação – exatamente como esperavam a revelação dos filhos de Deus, e não a glorificação destes.

Obs.: preciso lembrar, porém, que ‘glorificar’ só adquiriu status de ser elevado aos céus posteriormente, visto que, na realidade, glorificar é “exaltar”, “por em evidência”, “honrar”. Assim, quando Paulo diz que Deus “glorificou os crentes”, está ressaltando que estes foram exaltados, e não que falava do futuro como se já tivesse ocorrido na mente de Deus.

Ora, qual era o problema na época de Paulo? Todos os gentios viam os crentes como um grupo menor dos judeus – mesmo com o evangelho crescendo. Isso mudou quando o julgamento de Deus começou pela casa dEle, por volta do ano 64, com Nero fazendo com que os cristãos fossem perseguidos. Neste momento, não só o diabo havia sido solto, de modo que o evangelho parou momentaneamente de progredir, mas também os cristãos começaram a ser notados como distintos dos judeus. Até que, finalmente, quando a destruição de Jerusalém ocorreu, não só fomos totalmente revelados ao mundo, mas nos tornamos semelhantes a Cristo (1 Jo 3:1-2 explicamos estes versículos comentando ao Cap. 9 da CFW).

Ora, a idolatria perdeu força enquanto o evangelho crescia, até que, finalmente, ela perdeu o seu propagador final: o diabo. Com o diabo sendo lançado no lago de fogo e enxofre, junto com o inferno, todas as suas obras foram desfeitas, de modo que agora temos não só o fim total da impureza ritual, mas também o esquecimento progressivo da idolatria. Deus cumpriu o que disse ao profeta, cessando assim também a profecia.

Bênçãos de Deus

Revelação dos crentes

O que a maioria das pessoas não nota na Depravação é que a restrição dela foi aumentada. Ora, vimos acima que as criaturas (gentios) de Deus foram libertadas da corrupção e nulidade de pensamento, isto é, da idolatria como tal. Além disso, a destruição definitiva do diabo é que favorece tais coisas, de tal modo, que se quer vemos cultos aos governantes como ocorriam no passado (não eram só imperadores romanos que exigiam ser ativamente adorados, isso era mais comum do que você pensa – e hoje é absolutamente incomum, ainda que você pense que amar demais um político seja idolatria, o que não é verdade).

Obs.: eu sei que a ideia estúpida de que há isso hoje é corrente. Existem mesmo livros inteiros dedicados a provar que os anseios políticos modernos são cultos porque, afinal, externamente se assemelham a um culto; mas tal analogia é tão tola que só com muito estudo e esforço os indivíduos começam a associar tais coisas. A realidade é que as paixões intensas humanas são somente isso: paixões intensas. E todas elas, no manifestar externo, sempre se assemelharão às estruturas de culto se você olhar somente para as partes aparentes dos cultos que envolvem intensidade emocional ou um tipo específico de ordem (que, cá entre nós, não é igual em todos os cultos que ainda existem por aí). Na realidade, um culto com muita frequência é mantido simplesmente sem nenhum processo lógico perceptível, embora os ‘cultos políticos’ tenham uma lógica e um modus operandi específico com maior frequência. Isso não quer dizer que concordamos com estas paixões intensas, apenas que não podemos acusá-las de idolatria: tais acusadores são, por ensino bíblico, falsas testemunhas.

Vendo o tanto que Deus nos afastou de tais cultos reais, não deve ser surpresa que Deus mesmo tenha dado mais coisas como meios de eliminar, do nosso meio, outros pecados – ou, na realidade, reduzi-los. Ora, tal coisa soa otimista, mas não o é no sentido que um pós-milenista pensa. Para nós, a remoção dessa maldade está atrelada à igreja, na medida em que cresce e se espalha, de modo que, ainda que a vitória sobre o diabo tenha já ocorrido plenamente, as práticas por hábito do pecado aprendidas foram perpetuadas, além de haver sempre um certo desejo interno guardado do pecado. A memória histórica pode custar a sair, afinal, foram, no mínimo, 3 mil anos de culto a imperadores e reis, e nós estamos a 2 mil anos após Cristo, com estas coisas já não sendo comuns entre nós, porém, ainda com alguma proximidade em culturas que não conhecem a igreja.

Obs.: o pós-milenarismo é político, o pré-milenismo é literal e o amilenismo, além de atrasado, habitualmente é meramente pessimista sem razão alguma, ainda que hajam os otimistas.

Perceba quantos pecados Israel cometeu no passado. Veja se existe alguma equivalência com os erros que igrejas locais cometem. Note por partes como Deus tem nos abençoado:

Dividindo o seu povo:

Quando Israel pecava havia apenas uma divisão: norte e sul. Não era absolutamente incomum que um dos lados pecasse mais do que o outro ou antes do outro, o que, ao menos, reduzia o sofrimento de todo o povo. Porém, no NT, Deus tem uma única nação espalhada pelo mundo, em igrejas locais, de modo que quando uma peca, apenas ela sofre, sendo irrisório no nível maior (note como Jesus lida com as 7 igrejas do Apocalipse).

Essa divisão de Deus favorece-nos, visto que agora o nosso pecado, mesmo de um único indivíduo, não afeta a igreja toda, como o pecado de Acã afetou toda a nação israelita. Naquele caso, o pecado de um indivíduo podia afetar toda a nação, o que não se sucede hoje porque a nação existe espiritualmente, sem vínculo externo necessário. Isso, em parte, acaba com a maldição da lei.

Dando fim à maldição:

As pessoas não entendem como a maldição de Deus funcionava no AT. Por exemplo, o segundo mandamento expõe que Deus visita o pecado dos pais nos filhos, ou seja, Deus pessoalmente pune algo que os pais fizeram na sua descendência, afastando essa descendência da mesma benção que os crentes tinham. Explicamos:

Primeiro, a Lei proibia que nós, os homens, punissem os pecados dos pais nos filhos, pois nós não temos este direito ou dever dado por Deus (Dt 24:16). Porém, era notável que Deus punia os pecados dos pais nos filhos, pois ele mesmo diz e o povo percebia, como se prova nos profetas (Êx 20:5; 34:7; Jr 31:29; Lm 5:7; Ez 18:2; Jó 21:19). O fato é claro: Deus punia e visitava os pecados dos pais nos filhos, e isto é doutrinariamente dito no AT.

Mas também temos casos práticos disso: as filhas de Ló e o caso de Davi. As filhas de Ló geraram nações ímpias, afastadas de Deus, que foram usadas até contra Israel – o pecado delas foi o incesto, e neste pecado se geraram amonitas e moabitas, dois povos separados das promessas de Deus, exceto para aquilo que ainda seria futuro. Ainda, o filho do adultério de Davi morreu punido por Deus, sendo evidentemente Deus visitando o pecado de Davi em seu filho, sem que nada possa ser dito contra isso. Tal coisa soa como injustiça, e da fato, Jó assim pontua (Jó 21:19). Por isso Deus promete nos profetas que chegaria um momento em que os filhos não mais sofreriam pelos pecados dos pais (Jr 31:28-30; Ez 18:2-4).

Obs.: muito teólogo pensa de forma pragmática o texto do segundo mandamento. Mas isso é uma grande falha, pois não são meras consequências internas que são mencionadas no texto, e sim uma visita do pecado dos pais nos filhos, ou seja, fazendo os filhos sofrerem a pena do pecado que os pais deveriam sofrer ou que sofreram.

Ora, a isto é chamado de “maldição da lei”, pois ela era aplicada aos descendentes dos que pecaram, de modo que o que se sucedeu a Cristo foi muito mais do que o que ocorria num sacrifício anual em Israel, antes, em Cristo não só o pecado foi removido, como a maldição que pairava ainda sobre a descendência e que privava esta mesma descendência das boas novas de Deus. Razão do porquê o conhecimento da lei de Deus só se dava, verdadeiramente, dentro de Israel e, agora, a temos fora daquela terra ou daquele povo. E como tal coisa foi possível? Simples, Cristo purificou todo o mundo.

Paulo reconhece que Cristo se fez maldição para isto mesmo, remover o poder amaldiçoador da lei sobre nós. O simples fato de o evangelho chegar a nós e de nos convertermos (pois a própria conversão é algo de Deus) sinaliza como a maldição foi revertida em bênção, de modo que os povos que antes estavam afastados de Deus, foram aproximados. Isso sozinho deveria testemunhar sobre como a maldição da lei foi não só restringida (entre os anos 30 e 70), mas totalmente aniquilada com a expansão geral do Evangelho.

Quebrando o desejo pelo pecado

Não parece óbvio para muitas pessoas, mas leia todo o AT e veja o quanto o povo pecava. Pior, pense dessa forma: o povo de Deus viu 10 pragas caírem sobre o Egito, a nuvem separa-lo dos egípcios, o mar se abrir, as pessoas serem curadas pela serpente de bronze, maná cair do céu, água sair da rocha, sandálias não envelhecerem, fogo e saraiva sobre o monte Sinai, a terra se abrir e, ainda assim, quase toda aquela geração que saiu do Egito morreu pela incredulidade. Você, que a nada disso viu, crê em Deus e diariamente mantém sua luta contra qualquer desejo pecaminoso (e às vezes contra o lícito também), e não caiu ou cairá no deserto. Por qual motivo isto? Porque Deus prometeu que a Depravação seria atenuada, o que criou em nós uma facilidade maior à fé no verdadeiro Deus.

E mais, por qual razão você não pegará um bebê de um ano e oferecerá no colo de uma estátua para ser assada a uma divindade? Ou, antes, por que não fará uma grande festa regada a bebida e comida a um deus qualquer? Ou, por qual razão não levantará um poste e reunirá amigos e moças/mulheres para juntos fazerem sexo publicamente em torno deste poste com o fim de apresentar culto? O motivo é simples: você não está mais no AT, e Deus prometeu que estas coisas não seriam mais pecados persistentes entre o povo dele.

Por qual razão, mesmo em igrejas da Idade Média, havendo vários sheela-na-gig‘s, não se registrar qualquer culto a tais coisas com foco sexual? Ou antes, por que, mesmo o culto aos santos católicos é muito mais clean do que qualquer falso culto do AT? A razão é simples, porque Deus afastou de nós todas estas coisas, mesmo em nosso coração.

Mas você dirá: “Mentiroso! Todas as nossas obras são trapos imundos, e estão todas poluídas de pecado!”. Não é isso que o texto bíblico nos diz:

[…] por muito tempo temos pecado e havemos de ser salvos? Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia; todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniquidades, como um vento, nos arrebatam. (Isaías 64:5, 6)

Muitos há que afirmam que estes versículos nos descrevem, porém, não é verdade. A questão que Isaías está tratando é daquele que vive em pecado, de modo que aquele que “por muito tempo tem pecado” é imundo e suas justiças são como trapos de imundícia. É evidente que Isaías não está dizendo que as justiças dos crentes são imundas, visto que vemos, mesmo no AT, que Deus ama as boas obras e justiça, desde que sejam feitas a partir de um coração ou pessoa que não vive em pecado. Não é isto mesmo que 1 João afirma?

Todo aquele que está no pecado não o viu nem o conheceu. Filhinhos, não deixem que ninguém os engane. Aquele que pratica a justiça é justo, assim como ele é justo. Aquele que pratica o pecado é do Diabo, porque o Diabo vem pecando desde o princípio. (1 João 3:6, 7)

O apóstolo espera que, mesmo seus leitores sabendo que pecaram, eles não vivem no pecado, antes, praticam a justiça, porque Deus é justo. Ora, se Deus é justo, como pode considerar nossas justiças imundas se não vivermos no pecado? Temos em Deus toda a certeza de que o que praticamos de justo é visto por Deus como boa obra que de fato é, sem que seja menosprezada por ele.

Dessa forma, sabendo que Deus freou a maldição e concedeu mais poder ao seu povo para pecar menos, é evidente que mais ainda Deus vê o que fazemos, pois tudo está muito mais limpo ou isento de pecado! Isso não quer dizer que não pecamos, mas não podemos dizer que pecamos sem saber em quê caímos. No máximo, podemos fazer como o salmista no Salmo 19, que pede auxílio a Deus contra pecados ocultos dele mesmo (o que é difícil de ocorrer se considerarmos a lei de Deus como é de fato, e não com os acréscimos que fizemos). E isto nos leva ao último ponto.


RESUMO DE ALGUNS TEXTOS

Romanos 78

O que muita gente não percebe é que nestes dois capítulos de Paulo aos Romanos ele está tratando da força do pecado que, a partir do conhecimento da Lei, ganhava mais força ainda, por isso os gentios paradoxalmente odiavam o evangelho, como loucura e, ao mesmo tempo, vinham se convertendo. Paulo reconhece que o homem que tem o entendimento da Lei está em uma fase fraca, porque só isso não garantia nada, visto que ele continuava desejando o que era do próximo (você fez isso ao conhecer a lei? Se não, então já tem uma boa resposta).

Vamos seguir Paulo de perto: ele cita Êxodo 20:17 no v. 7 do cap. 7. O que ele quer mostrar com isso? Ele está citando que o pecado da cobiça (desejar o que é do próximo), ganhou mais força entre os que não tinham lei na medida em que estes souberam que isso é pecado. Por isso, pela carne, eles não tinham poder algum, e no espírito tinham prazer na lei de Deus, embora externamente desejassem o que é do próximo. Contudo, assim que se converteram, ou, antes, receberam o Espírito Santo, o pecado não tinha mais poder sobre eles, que é o que Paulo diz no cap. 8. Paulo está dando uma descrição da conversão presente na época dele, não na nossa.

Dessa forma, embora fosse difícil não desejar o que é do próximo, eles tinham as primícias do Espírito Santo, de modo que a Lei de Moisés morreu para eles, ou seja, perdeu a força que tinha para os fazer pecar mais ainda. Contudo, a pergunta que fica é: seriam os crentes perturbados assim para sempre? Afinal, não teria um momento, neste mundo, em que conhecer a lei de Moisés me afastaria do pecado? A resposta de Paulo vai além e diz que os crentes terão este corpo de pecado (citado no cap. 7) redimido finalmente na vinda de Cristo, fazendo os filhos de Deus serem revelados (e não “glorificados”). De modo que, mesmo os descrentes, perderiam essa carne presa ao pecado, sendo libertos da sujeição, e sendo mais sujeitos aos poderes do evangelho.

Obs.: Filipenses 3:21 segue na mesma linha, considerando a estrutura de pecado e ódio a Deus anteriormente mencionada no capítulo, diz que o “nosso corpo abatido” seria submetido, ou seja, ele não está falando do corpo como tal mudado em um estado de glória no céu, mas sim que o corpo seria sujeitado a Cristo, assim como o corpo de Cristo é sujeito a ele mesmo.

Posso dar um exemplo prático: o que o apóstolo João fez assim que viu o anjo? (Ap 22:8, 9). Aliás, por qual motivo isto está registrado justamente neste capítulo de Apocalipse? Ora, a razão é simples: Deus quis mostrar que este corpo do pecado perderia todo o poder no Novo Céu e Nova Terra, apontando que mesmo os apóstolos antes da vinda de Cristo caíam facilmente em idolatria diante de uma visão, nós, porém, embora tenhamos algum risco nisso, não mais caímos facilmente.

Tudo isso está nestes dois capítulos de Romanos, expondo o conflito com o pecado que foi único na época intermediária de Cristo, mas que agora não mais existe. Não confunda, pois agora pode ver o todo completo, caso tenha dado atenção a este texto e ao anterior: citamos o caso de Ezequiel para mostrar como eventos relatados de modo grandiosos podem ser, na verdade, pequenos do ponto de vista humano; daí, passamos a mostrar como, no final, as promessas do AT se cumpriram todas até o ano 70 d.C., eliminando a forte tendência ao pecado, mas ainda não acabando com toda ela, como Ap 21-22 mostra, ao relatar que há um novo céu e uma nova terra, com uma cidade nela, sendo que os pecadores estão no novo céu e na nova terra, mas não entram na cidade (ou seja, na relação com Deus e seu povo).

Promessa para a Igreja inteira

Outro exemplo de que Paulo esperava algo que tornaria a igreja firme como um todo é Efésios 4:11-16. Primeiro, ele toma como base e tipo da igreja o corpo físico de Cristo, e nessa perspectiva ele divide de duas formas: um como menino e outro como um corpo ainda incompleto. Como menino ele ressalta que a igreja primitiva ainda era levada a todo vento de doutrina, mas que posteriormente, após o aperfeiçoamento, mesmo com os ventos de doutrinas, a igreja não mais seria levada. Neste sentido, chegando à fase adulta, a igreja estaria livre do tipo de imperfeição que havia antes do ano 70 d.C. (cf. 1 Co 14:20; Gl 4:19 [onde Paulo mostra que ser infantil é ser levado à circuncisão de novo]; Hb 5:11-14 [onde o autor mostra que a infantilidade é ainda prender-se de algum modo às ordenanças {não mandamentos} do AT]). Dessa forma, embora a igreja seja enganada eventualmente, ela não cai mais nos erros infantis da circuncisão e rituais da Lei (os rituais de hoje são imitações ou não são praticados pela igreja de fato).

Obs.: aquilo que Paulo chama de “mandamento de ordenança” é uma categoria distinta do mandamento. Os mandamentos de ordenanças é o que passou, os mandamentos nunca passaram (Ef 2:15; Cl 2:14; 1 Co 7:19 [circuncisão é ordenança | não adulterar é mandamento]).

No que diz respeito ao corpo, Paulo espera que ele tenha o jeito do corpo de Cristo, isto é, atue em harmonia. Para isto o ministério dos profetas e pastores existiu até o ano 70 (o dos presbíteros e diáconos continua, entretanto).

Em 1 Coríntios 13 Paulo também afirma o mesmo, ao dizer que o amor tudo crê e tudo espera, mas que a fé e a esperança deixariam de existir. Ora, pra quê o amor tudo crê e espera depois do fim da fé e da esperança? O motivo é simples: a fé que esperava na época de Paulo acabava com a vinda de Cristo, pois não havia nada mais para se ter fé depois, pois só se pode ter fé pelo que a palavra diz, e não pelo que eu sinto ou acho. Dessa forma, com a vinda de Cristo, a fé acabou, visto que todas as promessas se cumpriram, mas o amor continua, crendo que Deus sustenta toda as coisas, e aceitando todas as coisas, por isso ele tudo crê e tudo espera, mesmo que não haja uma promessa específica sobre a qual esperar. Na realidade, o amor tem fé e esperança nele porque tudo crê e tudo espera, ou seja, acredita que pode se suceder tudo: morrer ou viver, se dar bem ou mal. Não como José, que sabia que precisava sobreviver, pois não sabemos se sobreviveremos daqui 2 dias, mas cremos que Deus pode fazer qualquer coisa que quiser dentro de 2 dias, por isso o amor tudo crê

O que é perfeito já veio, e removeu a esperança e fé que a igreja primitiva precisava exercer.

Obs.: muitos, querendo provar o fim dos dons, dizem que o “perfeito” é o cânon bíblico. Mas se o perfeito já veio, a fé e a esperança acabou, se o perfeito não veio, então línguas e profecias continuam (tais dons são citados em conjunto). Dessa forma, o fim das línguas e da profecia ocorre junto com o fim da fé e da esperança – basta que leia o texto de 1 Coríntios 13 e note (além de lá Paulo mencionar, também, o fato de se deixar de ser menino, que nós já vimos acima, e que é a perfeição a qual Paulo se refere nos textos citados e neste de 1 Coríntios 13).

UMA ÚLTIMA QUESTÃO TEOLÓGICA

Letras e Palavras

Infelizmente não podemos tratar de um “sentido das letras” hebraicas. Porém, podemos deixar dois alertas: o primeiro, é que não é possível fazer uma teologia na qual cada letra tenha um significado em toda palavra hebraica, sendo daí que fluem os erros toscos e tolos de vários judaizantes e outros homens. Além disso, e em segundo lugar, estamos tão distantes do pensamento hebreu que é mesmo difícil saber se os casos que parecem mais razoáveis fazem realmente sentido. No geral, o que podemos dizer é que o “significado extra” de uma palavra é o que ela já significa por cima. Daremos um exemplo:

Os sinais do AT apontavam Cristo, e isso sabemos porque muitas vezes eles eram figuras de Cristo. Calha que a palavra hebraica para ‘sinal’ também aponta Cristo. Assim, é notável que não existe uma revelação nova, apenas um detalhe extra na revelação já conhecida. E mais, como regra, tal deve ser a função dessas palavras com significados duplos: apontar a Cristo e sua igreja – coisas fora disso tornam-se questionáveis e podemos duvidar muito de sua aplicação. Porém, como não temos espaço, deixaremos este assunto neste pé.

Por fim, abaixo, veremos apenas uma questão breve, para que finalmente possamos nos despedir de modo conveniente.


COSMOVISÃO

Sabendo que o pecado não atingiu o intelecto, sendo este, porém, distinto da capacidade espiritual do homem, devemos considerar o conceito de ‘cosmovisão’ popular entre os crentes atuais. Primeiro, considere esta afirmação:

  • Todos têm cosmovisão pela filosofia, porém, ninguém pode ser julgado por inteiro, pois a escritura nunca faz isso, já que cosmovisão é uma perspectiva e preocupação filosófica e não bíblica.

Sempre que a Bíblia fala sobre si mesma como lâmpada, luz, sabedoria e coisas semelhantes, ela está contrastando-se ao pecado que ela mesma condena, ou seja, se você vive no ódio pelo próximo está em trevas, a luz que a Escritura é nos ensina que não podemos odiar o próximo, antes, amá-lo, fazendo coisas ativamente para o seu bem, como a Lei mesmo especifica, enquanto odiamos firmemente todo o pecado. Afinal, a Escritura julga os desejos e pecados que são contrários à ela, e não “cosmovisões”.

Alguém na Escritura já foi julgado pela cosmovisão? Nunca, todos sempre foram julgados pelo pecado, por adulterarem, matarem, prestarem falsos testemunhos, incestos, prostituições cultuais etc., mas nunca, jamais, um indivíduo é criticado por uma posição científica ou filosófica, nem mesmo por uma incompreensão intelectual ou algo do tipo. Sempre que homens são condenados por ideias na bíblia o são por ou crerem em outros deuses, ou por crerem que a ressurreição já tinha ocorrido antes do ano 70 d.C., ou por ensinarem que Jesus não tinha um corpo – coisas estritamente teológicas, e não filosóficas ou científicas.

Obs.: já vimos dois casos interessantes – o primeiro, no qual os pais não queriam ficar com os filhos no culto, e tinham o desejo de envia-los para a salinha de ‘culto infantil’, estes foram vistos como abortistas em potencial, pois a cosmovisão deles é de desprendimento dos filhos. O segundo, extremamente comum, é o caso de que alguém ao assistir pornografia é automaticamente visto como pedófilo, estuprador etc., mesmo sem nunca terem desejado tais coisas, porém, são julgados por um conceito de cosmovisão: se você faz algo, outra coisa está próxima e é logicamente ligada, portanto, você é acusado de pecado. Cosmovisão na teologia é uma verdadeira praga.

No fundo, a “cosmovisão” dentro do cristianismo é um meio de acusar indivíduos não muito civilizados de pecado, já que, na realidade, “tudo é cosmovisão”. Notoriamente, não estamos dizendo que não possam existir cosmovisões, visto que é claro uma certa linha de raciocínio e modo de vida que as pessoas seguem. O problema é que, como já vimos, para alguns, um homem pintar um cabelo de amarelo expressa uma cosmovisão contrária ao cristianismo, o que, no fundo, implicaria pecado. Isso é um absurdo! Pois onde o cristianismo estabelece, na Lei bíblica, que o cabelo obrigatoriamente pode ou não ser de uma cor? Em nenhum lugar. O máximo que alguém poderia concluir é que um indivíduo que faz isso não é tão civilizado quanto ele, e só.

Obs.: não estamos em um embate filosófico e, por isso, não trabalharemos sobre o desenvolvimento do conceito mesmo de “cosmovisão”, iniciado há pouco tempo na própria história do cristianismo. Muito menos diremos se ela é ou não real, visto que, quer exista ou não cosmovisão, os crentes (e descrentes) são julgados não por ela, mas pelos seus pecados ou doutrinas contrárias à escritura de Deus, e não pelos aspectos culturais, civilizatórios ou coisas semelhantes. A propósito, caso tenha curiosidade, veja o conceito de mu’tazila, que vem dos árabes em contato com materiais de Aristóteles e que, de certo modo, é quase um equivalente à ideia de ‘racionalista’ que vê o mundo por certas lentes.

Este conceito vem arrastando milhares de pessoas para a tal “guerra cultural” que, novamente, não é nosso objetivo dizer se existe ou não, mas que podemos dizer, claramente, que não é para ser vencida pelos cristãos. O motivo é simples: o que os cristãos querem impor são padrões filosóficos de beleza, literatura e coisas semelhantes – e isso não é a lei de Deus. Conquanto você possa querer ter determinados tipos de produções cinematográficas específicas, e até mesmo criar grupos e se envolver em processos para conseguir isso, jamais faça parecer ser uma luta pelo cristianismo para tentar dar um sentido espiritual à sua luta.

O fato é que você sentirá, tão somente, que o mundo está ficando pior, e o motivo é simples também: você o está julgando por padrões estéticos e morais greco-romanos, e não bíblicos. E vou lhe dizer: o mundo está se afastando destes padrões, porque é o que sempre ocorre, com um eventual retorno a estes padrões modificados (isso já ocorreu algumas vezes).

Obs.: o conceito que temos de cosmovisão é um fruto da sociedade europeia francesa e alemã. Essas duas tendo herdado de Roma (o Império) o conceito de costumes voltados para um centro. Ocorre que neste sentido, a cosmovisão seria uma perspectiva que fundamenta toda a sua relação com o mundo, de modo que não ser “crente” em uma dessas relações não só polui todas as outras, como também te torna bárbaro, intelectualmente inferior etc. (veja as pesquisas citadas por neocalvinistas quase sempre ressaltando a falta de inteligência). Não estamos dizendo que não possa ser filosoficamente viável que você tenha uma ‘cosmovisão’, mas se a possui, ela não é um conceito bíblico – ela só explica nossas relações, e teologicamente torna inocentes culpados.

Infelizmente não podemos oferecer muito mais do que estas respostas, do contrário, entraremos no campo que justamente estamos dizendo que não queremos: o do debate filosófico. Pense o que quiser pensar. Por nossa parte, fizemos todo o esforço que estava à nossa mão.

Que Deus, que é cheio de poder e graça, de verdade e amor, de repreensão e justiça, te dirija no caminho que ele mesmo nos deu.

  • Conclusão:

As visões sempre ressaltam coisas grandiosas que do nosso ponto de vista não são tão grandes sempre;

O fim da Depravação foi previsto, e temos atualmente pouca coisa real sobre pecado em comparação à Antiguidade.

Isso, porém, não é influência cultural, mas ação espiritual de Deus.

Por esta razão, conceitos de cosmovisão na teologia são falsos, criando falsos julgamentos.

Este texto finaliza todos os nossos textos.

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